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domingo, 13 de março de 2011

A PALESTINA

A PALESTINA
Dados históricos para a compreensão da situação actual
e algumas reflexões
Comissão Justiça e Paz CNIR/FNIRF





INTRODUÇÃO


Palestina é o nome do território situado entre o Mediterrâneo a oeste, o rio Jordão e o Mar Morto a este, a chamada Escada de Tiro a norte (Ras en-Naqura/Roch ha-Niqra, fronteira com o Líbano) e o Wadi el-Ariche a sul (fronteira com o Sinai, tradicionalmente egípcio). Com 27.000 km2, a Palestina é formada, de um modo geral, por uma planície costeira, uma faixa de colinas e uma cadeia de baixas montanhas cuja vertente oriental é mais ou menos desértica.


A Palestina foi habitada desde os tempos pré-históricos mais remotos. A sua história esteve geralmente ligada à história da Fenícia, da Síria e da Transjordânia, limítrofes. Talvez por causa da sua situação geográfica – faz parte do corredor entre a África e a Ásia e ao mesmo tempo fica às portas da Europa –, a Palestina nunca foi sede de um poder que se estendesse para além das suas fronteiras. Pelo contrário, esteve quase sempre submetida a poderes estrangeiros, sediados na África, na Ásia ou na Europa. Em regra geral, foi só sob as potências estrangeiras que ela teve alguma unidade política.



DE FINS DO II MILÉNIO A. C. A MEADOS DO SÉCULO XIX


Para melhor compreender a situação actual da Palestina, convém fazer um esboço da sua história a partir do II milénio a. C. A Palestina esteve organizada em cidades-estado sob a hegemonia egípcia durante uma boa parte do II milénio. A situação mudou nos últimos séculos desse milénio. Chegaram então à Palestina sucessivas vagas de imigrantes ou invasores vindos do norte e do noroeste, das ilhas ou do outro lado do Mediterrâneo. Os historiadores costumam designá-los com a expressão Povos do Mar. Esses povos parecem ter-se fixado sobretudo ao longo da costa. Os mais conhecidos entre eles são os Filisteus que se fixaram sobretudo no sudoeste (costa, oeste do Neguev e Chefela). Aí fundaram vários pequenos reinos (Gaza, Asdod, Ascalão, Gat e Ekron). Paralelamente aos reinos filisteus, constituiram-se primeiro o reino de Israel no norte da Palestina e depois o reino de Judá, mais pequeno, na zona de baixas montanhas do sul. Durante a maior parte da sua existência, Israel teve como capital Samaria. Hebron foi a primeira capital de Judá, mas depressa cedeu o lugar a Jerusalém.


Entre os antigos povos da Palestina, os Filisteus foram porventura os que maior influência exerceram até aos últimos séculos da era pré-cristã. Com efeito, não deve ter sido por acaso que o seu nome foi dado a toda a região, a Palestina, isto é, o país dos Filisteus. Com o sentido que se tornou habitual, o nome está já documentado nas Histórias do grego Heródoto em meados do séc. V a. C. Apesar da sua importância na antiguidade, conhecem-se muito mal os Filisteus e a história dos seus reinos. A razão óbvia dessa ignorância é a inexistência de uma biblioteca ou de bibliotecas filisteias comparáveis ao Antigo Testamento. Praticamente tudo o que se sabe ou se pensa saber sobre os Filisteus se baseia nos escritos bíblicos. Por conseguinte, a posteridade só conhece os Filisteus na medida em que eles estão em relação com Israel, com Judá ou com os judeus. Além disso, vê-os através dos olhos daqueles que foram os seus concorrentes, não raro os seus inimigos declarados. De facto, a posteridade, de maneira geral, não se interessa pelos Filisteus nem os estuda por si mesmos, mas só por causa da sua relação com a história bíblica. Tudo isso deformou a visão que se tem deles, do lugar que ocuparam e do papel que desempenharam, aparecendo os Filisteus como um elemento marginal na história da Palestina antiga. Esse erro de perspectiva influencia sem dúvida alguma a visão corrente que se tem da actual Palestina, da sua composição étnica e da sua situação política.


Os vários reinos palestinenses[1], filisteus e hebraicos, coexistiram durante séculos. Ora guerrearam entre si ora se aliaram para sacudir o jugo da grande potência do momento. A primeira vítima desse jogo foi Israel, conquistado e anexado pela Assíria em 722 a. C. Desde então até 1948 não houve nenhuma entidade política chamada Israel. Os reinos filisteus e o reino de Judá continuaram a existir sob a dependência da Assíria, a grande potência regional entre o séc. IX e fins do séc. VII a. C., cujo território nacional se situava no norte da Mesopotâmia, no actual Iraque.


No fim do séc. VII a. C., o Egipto e a Babilónia, a outra grande potência mesopotâmica, com a sede no sul do Iraque actual, disputaram-se os despojos do império assírio. Tendo a Babilónia levado a melhor, a Palestina ficou-lhe submetida durante cerca de oito décadas. De um modo geral, as histórias, focadas como estão em Judá, falam só da conquista desse reino por Nabucodonosor, da deportação para a Babilónia de parte da sua população, da destruição de várias das suas cidades, nomeadamente de Jerusalém com o templo de Iavé (597 e 587 a. C.). Deve no entanto reparar-se que os reinos filisteus de Ascalão e de Ekron, conquistados por Nabucodonosor respectivamente em 604 e em 603, tiveram um destino semelhante.


Em 539 a. C. a Palestina passou com o resto do império babilónico para as mãos dos Persas Aqueménidas. Sabe-se que estes entregaram a administração do território de Judá, pelo menos de parte dele, a membros da comunidade judaica da Babilónia. Em 331 a Palestina foi conquistada pelo macedónio Alexandre Magno. Após a morte deste, ficou primeiro sob o domínio dos Lágidas ou Ptolomeus que tinham a capital em Alexandria, no Egipto (320-220 a. C.). Depois passou para a posse dos Selêucidas sediados em Antioquia, na Síria (220-142 a. C.). Entre 142-63 a. C, os Asmoneus, uma dinastia judaica, com Jerusalém como capital, conseguiu não só libertar-se do poder selêucida, mas até impôr o seu domínio praticamente em toda a Palestina, inclusivamente nos territórios filisteus. Nessa altura a grande maioria dos judeus já vivia fora da Palestina, encontrando-se dispersos em todo o Próximo Oriente. A dispersão deveu-se sobretudo à emigração e, numa medida de longe muito menor, às deportações de 597-587. Os principais centros judaicos fora da Palestina eram então Alexandria e Babilónia. Profundamente helenizados, os judeus de Alexandria liam as suas Escrituras em grego. Deve-se-lhes a colectânea de escritos que se tornará o Antigo Testamento cristão.


Em 63 a. C., a Palestina passou a fazer parte do império romano dentro do qual não teve sempre o mesmo estatuto. Por voltas de meados do séc. I da era cristã, os judeus da Palestina tentaram libertar-se do domínio romano. Houve primeiro várias sublevações locais. Em 66 a revolta generalizou-se. Em 70 os Romanos conquistaram Jerusalém e destruiram o templo judaico. Os judeus da Palestina voltaram a revoltar-se em 131. Após ter esmagado a revolta, em 135, o imperador Adriano fez de Jerusalém uma colónia romana, Colonia Aelia Capitolina, da qual os judeus estiveram excluídos durante algum tempo. Com a ruína do templo e o fim da autonomia judaica na Palestina desapareceu a maioria dos grupos político-religiosos nos quais o judaísmo, sobretudo o judaísmo palestinense, estava então dividido. Praticamente só ficaram em campo dois grupos: o farisaísmo e o cristianismo, recém-formado. Os dois grupos acabaram por separar-se e evoluiram de maneira independente, em concorrência e, não raro, em conflito. O farisaismo deu origem ao judaísmo rabínico, isto é, o judaísmo actual.


Graças à cristianização do império romano, a Palestina, palco dos acontecimentos fundadores do cristianismo, adquiriu uma grande importância para o mundo cristão, sobretudo para os cristãos que se encontravam dentro do império romano. Por isso durante o período bizantino (324-638) a Palestina conheceu uma prosperidade e um crescimento demográfico notáveis. Durante esse período a esmagadora maioria da sua população tornou-se cristã. Em 614 os Persas Sassânidas invadiram a Palestina, onde causaram grandes estragos. Ocuparam-na até 628, ano em que os Bizantinos a reconquistaram, mas por pouco tempo.


Com efeito, dez anos mais tarde, em 638 toda a Palestina passou para o domínio árabo-muçulmano. Este exerceu-se através de uma sucessão de dinastias, de origens, de etnias e com capitais diferentes. A primeira dessas dinastias, a dos Omíadas (660-750), com a capital em Damasco, foi uma das que mais marcou a Palestina, nomeadamente com a construção do Haram ech-Cherife (o Nobre Santuário/Esplanada das Mesquitas) no lugar que ocupara outrora o templo judaico, tornando Jerusalém na terceira cidade santa do islão. Seguiram-se os Abássidas (750-974) e os Fatimidas (975-1071), com as capitais respectivamente em Bagdad e no Cairo. Entre 1072 e 1092 a Palestina esteve sob os Turcos Seldjúcidas, que então tinham a sede em Bagdad.


Embora não tenha dado origem a uma imigração popular e, por conseguinte, não tenha mudado a composição étnica e a demografia de maneira apreciável, o regime árabo-muçulmano teve como consequência a arabização e a islamização da Palestina. A arabização[2], nomeadamente da população cristã de língua aramaica, língua parenta do árabe, deu-se muito depressa. Não pode dizer-se outro tanto da islamização. Apesar de o islamismo se apresentar como o acabamento da tradição bíblica, partilhada pelo cristianismo, pelo judaísmo e pelo samaritanismo, o processo de islamização da população palestinense (cristã, judaica e samaritana) parece ter sido muito lento. Em 985, após três séculos e meio de regime islâmico, o geógrafo árabe-muçulmano de Jerusalém, conhecido pelo nome de el-Maqdisi («o jerosolimitano»), lamenta-se de que os cristãos e os judeus são maioritários na sua cidade natal. O que el-Maqdisi escreve a respeito da Jerusalém de fins do séc. X valia para o conjunto da Palestina e continuou provavelmente a valer durante cerca de mais dois séculos e meio.


Organizada com o intuito declarado de arrancar o túmulo de Cristo das mãos dos «infiéis», a primeira cruzada terminou, em 1099, com a conquista de Jerusalém e, no ano seguinte, a criação do Reino Latino de Jerusalém. Este manteve-se até 1187, tendo sido então conquistado pelo curdo Saladino, o fundador da dinastia ayúbida. Aos Ayúbidas seguiram-se os Mamelucos, primeiro turcos (1250-1382) e depois circassianos (1382-1516). Os Ayúbidas e os Mamelucos tiveram a capital no Cairo. Segundo a maioria dos especialistas da questão, foi durante o período mameluco que teve lugar a grande vaga da islamização popular da Palestina. Desde então até à segunda metade do séc. XX, os muçulmanos constituiram a esmagadora maioria da população. Do ponto de vista numérico, o segundo grupo era constituído pelos cristãos, seguidos, de muito longe, pelos grupos dos judeus e dos samaritanos. Em 1517 a Palestina passou para o poder dos Turcos Otomanos, cuja capital era Istambul.



DESDE MEADOS DO SÉCULO XIX
Começos do sionismo


O judaísmo conserva a esperança de que um dia todo o povo judaico disperso «regressará» ao que chama «a Terra/País de Israel», onde se reunirá e viverá como nação, observando rigorosa e integralmente a Lei divina. A nação judaica será assim «inteiramente liberta da servidão» das outras nações. A «redenção de Israel» transbordará, estendendo-se a todos os seres humanos e ao mundo inteiro. Tudo isso será obra de Deus, não do povo. Com efeito, a tradição religiosa vê na dispersão (diáspora) ou no exílio (termo mais corrente, embora historicamente inadequado) o castigo divino pelos pecados do povo, ao qual por conseguinte só o próprio Deus pode pôr fim. Durante muitos séculos a utopia da «redenção de Israel» não transbordou do âmbito religioso, que é a sua matriz. Deu origem a peregrinações e a imigrações individuais ou de pequenos grupos que não modificaram o estatuto político da Palestina nem a sua composição étnica, a qual, apesar das numerosas mudanças políticas e religioso-culturais, parece ter permanecido relativamente estável desde fins do II milénio a. C. até fins do II milénio da era cristã.


A situação começou a mudar no século XIX. No contexto do triunfo das ideologias nacionalistas e da ideia do estado nacional, surgiu entre os judeus laicos da Europa central e oriental um movimento nacionalista secular cujo objectivo era a criação de um estado dos judeus, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. Para os seus partidários, o dito estado tomou de certo modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da «redenção de Israel» ocupa na tradição religiosa. Contrariamente à reunião de «Israel» da utopia religiosa, o estado projectado pelos nacionalistas judeus não tinha necessariamente a Palestina por cenário. Com efeito, o seu principal promotor, Teodoro Herzl (1860-1904)[3], encarou a possibilidade de o criar na Argentina. Falou-se também de Chipre, da África oriental e do Congo. Diga-se de passagem que a liberdade na escolha do futuro «território nacional» de que deram mostras os nacionalistas judaicos se explica pelo facto de se viver então na Europa no apogeu do sonho colonialista. Consideravam-se colonizáveis todos os territórios situados fora da Europa. Colonizá-los era tido por uma obra benemérita, pois era «civilizá-los».


Os nacionalistas judaicos não tardaram a optar pela Palestina. Essa escolha, embora não fosse necessária, era natural e particularmente mobilizadora, por causa da ligação do judaísmo à Palestina e da atracção que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou originários desse país. O nacionalismo judaico tomou assim o nome de sionismo, palavra que deriva de Sião, um dos nomes de Jerusalém na Bíblia. Repare-se também que a escolha da Palestina se enquadrava nos projectos coloniais das potências europeias, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, que preparavam a partilha dos despojos do império otomano decadente. Foi sem dúvida por isso que o projecto sionista vingou.


Durante décadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes[4] laicos, sem base popular. Houve componentes do judaísmo, nomeadamente as grandes comunidades sefarditas[5] da África do norte, que estiveram praticamente à margem desse movimento até à década de 1930 ou ainda mais tarde. No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas divisões nas diferentes componentes do judaísmo, religioso e secular, askenaze, sefardita e pertencente a outros grupos. Embora se tenham atenuado ou transformado, essas divisões subsistem ainda hoje.


Para a maioria esmagadora dos rabinos da Europa central e oriental que se encontraram confrontados com ele, o projecto dos sionistas de criar o estado dos judeus, apoiando-se para isso nos seus próprios meios políticos, diplomáticos e económicos, era a negação da esperança na «redenção de Israel» por iniciativa e obra exclusivas de Deus. Por isso, condenaram o sionismo como uma manifestação de orgulho, o pecado por excelência. O partido Agudat Israel (União/Associação de Israel), fundado em Kattowitz (Silésia, Polónia) em 1912, incarnou essa posição. O dito partido propunha-se reunir todos os judeus fiéis à Lei para se oporem ao nacionalismo sionista considerado como uma ameça mortal para o «autêntico judaísmo». No entanto, na década de 1930, o Agudat Israel mitigou, por pragmatismo, a sua oposição ao sionismo, aceitando que a Palestina se tornasse o refúgio para os judeus europeus perseguidos. Em 1948 reconheceu de facto as instituições do Estado de Israel. Participou em todas as eleições legislativas israelenses[6] e em vários governos. No entanto, algumas facções minoritárias não aceitaram a mudança de orientação. Além de persistirem na negação da legitimidade religiosa do Estado de Israel e na recusa de qualquer colaboração com ele, tornaram-se críticos acérrimos da sua política. Entre os pequenos grupos representantes dessa tendência, o dos Neturei Karta (Guardiães da Cidade) é actualmente o mais conhecido.


Uma minoria entre os judeus religiosos da Europa central e oriental aceitou bastante cedo colaborar com os sionistas. Um dos primeiros expoentes desta posição foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915), nascido em Karolin, na Bielorússia. Na origem, essa posição tinha sobretudo por objectivo não deixar aos seculares o monopólio do socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos. Incarnou-a o Mizrahi (Centro Espiritual), fundado em Vilnius (Lituânia) em 1902. Segundo essa corrente do judaísmo religioso, nada impede a colaboração com o sionismo, pois este não é incompatível com a tradição. A razão que ela dá funda-se, paradoxalmente, no carácter inteiramente materialista e político do sionismo. Dado o seu teor, o sionismo não pode fazer concorrência à esperança messiânica, que se situa num plano completamente diferente. A ideia da coexistência pacífica do judaísmo religioso e do sionismo depressa cedeu o lugar a uma integração da ideologia sionista dentro do sistema religioso tradicional. O autor dessa integração foi o rabino Abraão Isaac Hacohen Kook (1865-1935), nascido em Griva na Letónia, primeiro Rabino-Mor askenaze da Palestina (1921-1935). Contrariamente aos seus homólogos do Agudat Israel, o rabino Kook vê no sionismo um instrumento de que Deus se serve para dar início à «redenção de Israel», e no Estado dos judeus a aurora da redenção ou do reino de Deus. Os principais herdeiros actuais desta concepção do sionismo são o Partido Nacional Religioso e o Guch Emunim (Bloco da Fé), que reune os opositores mais irredutíveis à devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de Gaza conquistadas por Israel em 1967, assim como os colonizadores mais zelosos desses territórios.


O sionismo provocou também clivagens entre os judeus secularizados. Uns abraçaram-no com mais ou menos entusiasmo e agiram ou não em conformidade, outros serviram-se dele para diferentes fins, outros olharam-no com indiferença e outros ainda rejeitaram-no terminantemente, por razões políticas, morais, culturais ou sociais. Além dos anti-sionistas religiosos, os autênticos adversários do sionismo são ainda hoje judeus seculares, o que é natural, na medida em que a questão diz directamente respeito a uns e a outros.


O sionismo tornou-se popular entre os judeus, sobretudo entre os judeus seculares, da Europa oriental e central a partir de 1881 por causa dos numerosos ataques e pilhagens (pogroms, em russo) de que aí foram vítimas entre esse ano e 1921. De facto, foi a Europa oriental que forneceu os contingentes de emigrantes judeus que então foram instalar-se na Palestina. As duas primeiras vagas da emigração coincidiram aliás com as duas primeiras vagas de pogroms, que tiveram lugar respectivamente em 1881-1884 e em 1903-1906. A esmagadora maioria dos emigrantes era gente pobre e perseguida. Dirigiam-na intelectuais das classes médias. Estes fizeram financiar a operação por membros da burguesia judaica ocidental, europeia e norte-americana, ansiosa por desviar da sua porta uma imigração popular judaica que iria contrariar os seus desígnios de «assimilação» nos países respectivos.



A Primeira Grande Guerra e a Palestina


A Primeira Grande Guerra teve consequências decisivas para a Palestina. As potências aliadas não esperaram pelo fim da guerra para preparar o desmantelamento e a liquidação do império turco, aliado da Alemanha. Procurando aproveitar-se do nacionalismo árabe, a Grã-Bretanha prometeu ao cherife Hussein de Meca o seu apoio para a criação de um estado árabe independente tendo por fronteira ocidental o mar Vermelho e o Mediterrâneo, em troca da revolta árabe contra a Turquia. De facto, a Palestina, que faz parte do território do anunciado estado árabe, era cobiçada ao mesmo tempo pela Grã-Bretanha e pela França, mas as duas potências admitiram o princípio da sua internacionalização nos acordos secretos de Sykes-Picot de 16 de Maio de 1916. Esse facto não impediu a Grã-Bretanha de prometer no ano seguinte, na chamada Declaração Balfour, à Federação Sionista que faria todo o possível para o estabelecimento de «um lar nacional para o povo judaico» (a national home for the Jewish people) na Palestina. Para os sionistas, o circunlóquio «um lar nacional para o povo judaico» designava um estado judaico ou um estado dos judeus. O movimento sionista evitava o termo estado, falando antes de «lar nacional» ou de pátria, para não exacerbar a oposição turca ao projecto.


De facto, as forças britânicas, às quais se renderam as forças turcas em Jerusalém a 9 de Dezembro de 1917, terminaram a ocupação da Palestina em Setembro de 1918. A Palestina ficou então sob administração militar britânica, a qual foi substituída por uma administração civil a 1 de Julho de 1920. Entretanto, na Conferência da Paz reunida em Paris em Janeiro de 1919, as Potências Aliadas decidiram que os territórios da Síria, do Líbano, da Palestina/Transjordânia e da Mesopotâmia não seriam devolvidos à Turquia, mas passariam a formar entidades distintas, administradas segundo o sistema dos Mandatos. Criado pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações a 28 de Junho de 1919, o sistema dos Mandatos destinava-se a determinar o estatuto das colónias e dos territórios que se encontravam sob o domínio das nações vencidas. O dito documento declara que «algumas comunidades outrora pertencentes ao império turco atingiram um estado de desenvolvimento» que permite reconhecê-las provisoriamente como nações independentes. Em relação a essas nações, o papel das potências mandatárias seria ajudá-las a instalar a sua administração nacional independente. O mesmo documento estipula ainda que os desejos dessas nações devem ser uma consideração principal (a principal consideration) na escolha da potência mandatária. Na conferência de San Remo a 25 de Abril de 1920, o Conselho Supremo Aliado repartiu os Mandatos para essas nações entre a França (Líbano e Síria) e a Grã-Bretanha (Mesopotâmia, Palestina/Transjordânia). O Mandato para a Palestina, que incorpora a Declaração Balfour sobre o estabelecimento do «lar nacional para o povo judaico», foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações a 24 de Julho de 1922, tornando-se efectivo a 29 de Setembro do mesmo ano. Ao abrigo do disposto no art. 25 do Mandato para a Palestina, o Conselho da Liga das Nações decidiu a 16 de Setembro de 1922 excluir a Transjordânia de todas as cláusulas relativas ao lar nacional judaico, e dotá-la com uma administração própria. De facto, o território que os sionistas pretendiam para nele estabelecer o seu estado era bastante mais vasto do que a Palestina. Abarcava também toda a parte oeste da Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano a sul de Sidão.


Como previsto, todas essas nações se tornaram efectivamente independentes no curso das três décadas seguintes: O Iraque (Mesopotâmia) a 3 de Outubro de 1932, o Líbano a 22 de Novembro de 1943, a Síria a 1 de Janeiro de 1944 e, finalmente, a Transjordânia a 22 de Março de 1946. A única excepção foi a Palestina.


O obstáculo que fez descarrilar o processo da independência da Palestina foi a adopção pela Liga das Nações, seguindo nisso as pegadas da Grã-Bretanha, do projecto sionista da criação do «lar nacional para o povo judaico» nesse país. A Organização Sionista Mundial tinha entretanto amadurecido esse projecto e tinha-lhe granjeado apoios muito sólidos, vindo-lhe o principal da Grã-Bretanha. Esta expressou o seu patrocínio ao projecto sionista na já referida Declaração Balfour. Trata-se de uma carta que A. J. Balfour, Ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu, a 2 de Novembro de 1917, ao Lorde L. W. Rothschild, representante dos judeus britânicos, e, por seu intermédio, à Federação Sionista. Numa altura em que a Palestina ainda era oficialmente território turco, o Governo de Sua Majestade Britânica declara à Federação Sionista ver com bons olhos o estabelecimento de «um lar nacional para o povo judaico» nesse país e compromete-se a fazer todo o possível para facilitar a realização desse projecto. A carta acrescenta uma ressalva segundo a qual «nada deverá ser feito que prejudique os direitos cívicos e religiosos das comunidades não-judias que existem na Palestina». As ditas «comunidades não-judias» constituiam então um pouco mais de 90 % da população. De facto, em 1918, a Palestina tinha 700.000 habitantes: 644.000 árabes (574.000 muçulmanos e 70.000 cristãos) e 56.000 judeus.


A Declaração Balfour era originalmente um compromisso que a Grã-Bretanha asssumia, por razões que lhe eram próprias, para com a Federação Sionista. Mas entretanto ela recebeu o aval das Principais Potências Aliadas e foi incorporada no Mandato para a Palestina, aprovado pela Liga das Nações a 24 de Julho de 1922. Com efeito, o essencial da Declaração Balfour é citado explicitamente no § 2 do preâmbulo do dito documento. É ainda reforçado no § 3, graças a dois elementos que não constavam na Declaração Balfour, isto é, a menção da ligação histórica do povo judaico com a Palestina e a ideia da reconstituição do seu lar nacional nesse país. Dos vinte e oito artigos do texto do Mandato seis têm por objecto o estabelecimento do lar nacional judaico ou medidas com ele relacionadas. O art. 2, que é o primeiro de carácter programático, começa assim: «A (Potência) Mandatária terá a responsabilidade de pôr o país em condições políticas, administrativas e económicas que assegurem/garantam o estabelecimento do lar nacional judaico (of the Jewish national home), como está estipulado no preâmbulo...». Outros cinco artigos tratam de medidas destinadas a realizar esse programa. Essas medidas dizem respeito: ao papel de conselheira de uma «Agência Judaica apropriada» nos diferentes domínios da governação (art. 4); às facilidades que devem ser concedidas aos judeus nas questões relativas à imigração, assim como no que respeita à sua instalação no país, inclusivamente nas terras do Estado ou nos baldios (art. 6); às facilidades que devem ser concedidas aos judeus na obtenção da nacionalidade (art. 7); à concessão de obras e serviços públicos à Agência Judaica (art. 11b); à imposição do hebraico como língua oficial ao lado do inglês e do árabe (art. 22), embora os judeus fossem então só um pouco mais de 11 % da população. A Palestina tinha nessa altura 757.182 habitantes, dos quais 83.794 eram judeus.


Sem excluir formalmente o objectivo normal do tipo de Mandato aplicado aos países árabes do império otomano, que era levar à plena independência a população que então os habitava, o Mandato para a Palestina tinha outro objectivo, que lhe era próprio, isto é, promover a criação de um lar nacional judaico – subentenda-se a criação de um estado judaico – com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora. O seu documento fundante não deixa dúvidas de que o objectivo prioritário do Mandato para a Palestina – para não dizer o seu verdadeiro objectivo – era criar o lar nacional judaico. É verdade que o documento também menciona as comunidades não-judaicas então existentes na Palestina e os seus direitos cívicos e religiosos – não refere os seus direitos políticos –, mas as suas menções vêm em segundo lugar e expressam-se sob a forma de ressalvas feitas às medidas destinadas a implementar o projecto sionista.


Graças ao Mandato para a Palestina, o patrocínio do projecto sionista, que era um elemento da política britânica, tornou-se política oficial da Liga das Nações. Esta não só deu ao projecto sionista a caução internacional mas forneceu-lhe também os meios para a sua realização. A Grã-Bretanha, a quem o Conselho Supremo Aliado (isto é, os vencedores da guerra) confiara o Mandato da Palestina, era sem dúvida alguma a potência mais indicada para implementar a política da Liga das Nações em relação a esse país. De facto, a administração britânica procurou cumprir fielmente enquanto pôde a missão que lhe fora confiada.


Por seu lado, as organizações sionistas aproveitaram as infra-estruturas administrativas e económicas que o Mandato pôs à sua disposição para acelerar a realização do projecto de criação do Estado judaico na Palestina. Para isso intensificaram a imigração dos judeus da Europa oriental e central, em três vagas principais: em 1919-1923, 1924-1928 e 1932-1940. Em 1931 os judeus eram 174.610 de um total de 1.035.821 habitantes da Palestina. Em 1939, já são mais de 445.000 e em 1946 atingem o número de 608.230 de um total de habitantes da Palestina respectivamente de 1.500.000 e de 1.972.560. Por outro lado, o Fundo Nacional Judaico, isto é, o fundo da Organização Sionista Mundial para a compra e o desenvolvimento da terra, intensificou a aquisição de terras. Estas tornavam-se «propriedade eterna do povo judaico», inalienável e que só podia ser arrendada a judeus. No caso das explorações agrícolas, até a mão de obra devia ser exclusivamente judaica. Por fim, os sionistas criaram em pouco tempo as principais estruturas do futuro estado, nomeadamente um exército clandestino (a Haganá).


A maneira como os vencedores da Primeira Grande Guerra decidiram o destino da Palestina, servindo-se para isso da Liga das Nações, é quase uma caricatura da duplicidade e da prepotência que não raro caracterizam as relações internacionais. De facto, há especialistas do Direito Internacional que questionam a legalidade das decisões da Liga das Nações em relação à Palestina em nome das regras que ela própria fixara. Assim, apesar de ter classificado a Palestina num grupo de nações às quais reconhecia imediatamente a independência formal e prometia a independência efectiva a curto prazo, a Liga das Nações impôs-lhe um Mandato cujo objectivo prioritário não era a instalação da administração palestiniana nacional, como previa o documento que institutiu o sistema dos Mandatos, mas, sim, a criação do «lar nacional judaico» com gente que ainda estava espalhada pelo mundo. Ora, este objectivo não só contrariava o processo de transição para a independência política efectiva da Palestina, mas era incompatível com o próprio princípio da sua independência com a população que ela então tinha, princípio esse que a Liga das Nações admitira previamente. Por outro lado, tendo nomeado a Grã-Bretanha para potência mandatária sem ter consultado os palestinianos, o Supremo Conselho Aliado não respeitou a regra fixada pelo Pacto da Liga das Nações, segundo a qual os desejos das comunidades submetidas a esse tipo de Mandato deviam ser uma consideração principal na escolha da potência mandatária (art. 22 )[7].



Mandato britânico (1922-1948)


Os palestinianos viram no patrocínio que deram primeiro a Grã-Bretanha e depois a Liga das Nações ao projecto sionista de criação do lar nacional judaico na Palestina a negação do seu direito à independência. Ora, tanto a Grã-Bretanha como a Liga das Nações, explícita ou implicitamente, não só lhes tinham reconhecido esse direito, mas também lhes tinham prometido o seu gozo pleno a curto prazo. Por isso, além do mais, os palestinianos sentiram-se defraudados. Naturalmente, opuseram-se ao projecto da criação do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro instante – logo que tiveram conhecimento da Declaração Balfour – e tentaram, por todos os meios, impedir a sua realização, pois temiam que dela resultasse a sua submissão, não só política mas também económica, aos sionistas, passando assim do domínio turco para o domínio judaico, com um intervalo britânico. Apresentaram protestos contra a Declaração Balfour à Conferência de Paz de Paris e ao Governo Britânico. A primeira manifestação popular contra o projecto sionista teve lugar a 2 de Novembro de 1918, primeiro aniversário da Declaração Balfour. Essa manifestação foi pacífica, mas a resistência depressa se tornou violenta, expressando-se em ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos sangrentos. Houve motins em 1920, durante a Conferência de San Remo que distribuiu os Mandatos, em 1921, 1929 e 1933. De um modo geral, as erupções de violência eram cada vez mais graves à medida que o Mandato se prolongava e a colonização sionista se estendia e fortalecia. Os acontecimentos desenrolavam-se segundo uma sequência que se tornou habitual. A potência mandatária respondia aos motins nomeando uma comissão real de inquérito, cujas recomendações reconheciam a legitimidade das reivindicações palestinianas e levavam a anunciar ou a esboçar tímidas medidas tendentes a satisfazê-las. Mas, dado que contrariavam o objectivo primordial do Mandato, essas medidas ficavam letra morta ou eram depressa esquecidas. E o ciclo recomeçava.


A resistência palestiniana culminou na revolta de 1936-1939. Em Abril de 1936, distúrbios locais entre árabes e judeus degeneraram numa revolta generalizada dos palestinianos. A revolta já não visava só a colonização sionista. Dirigia-se sobretudo contra as autoridades britânicas, o poder estrangeiro, de quem os palestinianos exigiam a constituição de um governo nacional. As autoridades britânicas ripostaram com uma repressão violenta e os sionistas com represálias. Os palestinianos começaram uma greve geral a 8 de Maio de 1936 coordenada pelo Alto Comité Árabe, que era composto por representantes dos principais partidos. Terminaram-na em Outubro do mesmo ano como resposta ao anúncio de mais uma comissão real de inquérito. A trégua foi de pouca dura, a revolta não tardando a recomeçar. Tendo chegado à conclusão de que os palestinianos não renunciariam à independência, os britânicos encararam em 1937 a hipótese de dividir a Palestina em dois estados, um árabe e o outro judaico. Essa solução não satisfazia nenhuma das partes. Os palestinianos não renunciavam a uma parte do seu território. Os sionistas, que viam com razão nesse plano um desvio da política oficial não só britânica mas também internacional, ainda não aceitavam a ideia de criar o estado judaico só numa parte da Palestina, o que aparentemente significaria renunciar à reivindicação da totalidade do país. A revolta palestiniana continuou e durou até 1939. Considerando inviável o plano de divisão da Palestina, os britânicos fazem marcha atrás e propõem no «Livro Branco» de 1939 a criação de um só estado para árabes e judeus, no prazo de dez anos. O mesmo documento propunha o fim da imigração judaica dentro de cinco anos e limitava a 75.000 o número de imigrantes durante esse prazo de tempo. Além disso, previa uma regulamentação estrita da compra de terras pelas organizações judaicas. Esse conjunto de medidas implicava que os árabes constituiriam um pouco mais de dois terços dos cidadãos do Estado da Palestina. O peso dos dois povos na administração do Estado seria proporcional à sua importância numérica. As autoridades mandatárias tentaram executar as recomendações do «Livro Branco» de 1939, mas sem verdadeiro êxito.


O «Livro Branco» de 1939 confirmou a viragem na política britânica já esboçada dois anos antes. Ao abandonar a ideia da criação de um estado judaico, as autoridades mandatárias romperam com a política seguida até então. Isso representava um sério revés para os sionistas. Estes tiveram que adoptar uma nova estratégia, a qual comportou três elementos principais. Promoveram a imigração ilegal, tarefa essa facilitada pelo genocídio judaico que a Alemanha nazi estava então a perpetrar na Europa central e oriental. Nessas circunstâncias a Palestina aparecia como o lugar de refúgio para os judeus europeus, sobretudo do centro e do leste. Além disso, os sionistas procuraram obter o apoio dos Estados Unidos da América (EUA) para substituir o apoio britânico. Alguns grupos armados lançaram-se numa campanha de guerrilha contra as autoridades britânicas e os árabes. Nessa altura a Haganá não era o único grupo armado judaico. Havia também o Irgun e o Stern[8], que se destacaram na guerrilha pela sua violência. Entre as numerosas acções realizadas pelo Irgun contra as autoridades britânicas, a mais conhecida é o atentado do Hotel King David em Jerusalém, onde estava instalada a administração governamental. A explosão de uma ala do edifício, no dia 22 de Julho de 1946, custou a vida a 91 pessoas, das quais 86 funcionários (britânicos, árabes e judeus). Declarando-o inviável por ter duas missões inconciliáveis, a Grã-Bretanha renunciou ao Mandato e remeteu a questão da Palestina para a sucessora da Liga das Nações, a Organização das Nações Unidas (ONU), em Fevereiro de 1947. A 29 de Novembro de 1947 a Assembleia Geral da ONU, retomando uma ideia que já tinha sido proposta dez anos antes, aprovou a resolução 181 que recomendava a divisão da Palestina em dois estados, um judaico e o outro árabe. Os dois estados estariam unidos do ponto de vista económico. Jerusalém (incluindo Belém) não pertenceria a nenhum dos estados, mas formaria um corpus separatum sob a jurisdição da ONU. Passados dez anos haveria um referendo entre os habitantes da cidade sobre o seu regime. O plano deveria entrar em vigor dois meses depois do fim do Mandato que a Grã-Bretanha fixou para o dia 15 de Maio de 1948.



A criação do Estado de Israel (14 de Maio de 1948)
e suas consequências para o povo palestiniano


Como já o tinham feito em 1937 e pelas mesmas razões, os palestinianos opuseram uma recusa formal ao plano de divisão. De facto, a ONU mostrou-se incapaz de o aplicar. Não se tendo previsto nada para substituir as forças britânicas, a sua retirada deixou os árabes e os judeus frente a frente. Os judeus asseguraram as posições dentro dos territórios que o plano da ONU lhes concedia e procuraram ocupar outros. A 14 de Maio de 1948, véspera do fim do Mandato e da retirada das últimas forças britânicas, os judeus proclamaram o Estado de Israel. A partir do dia 15 a guerra alargou-se com a entrada na Palestina de uma coligação de forças regulares transjordanas, egípcias e sírias, ajudadas por contingentes libaneses e iraquianos.


Israel tinha já em 1948 uma enorme vantagem sobre a coligação árabe. O seu exército era mais numeroso, estava melhor treinado e melhor equipado. Além disso, Israel tinha o apoio das grandes potências e a simpatia da opinião pública ocidental. Os combates cessaram praticamente no dia 7 de Janeiro de 1949, graças à intervenção da ONU. Entre 23 de Fevereiro e 20 de Julho desse mesmo ano, os países árabes implicados na guerra, excepto o Iraque, assinaram armistícios com Israel. Os territórios ocupados por Israel no fim da guerra constituiam cerca de 78 % da Palestina. Tornaram-se, de facto, o território do Estado de Israel. Ficaram fora dele a cadeia de baixas montanhas do centro e do sul da Palestina, a chamada Cisjordânia, assim como a Faixa de Gaza. Jerusalém ficou dividida: a parte oeste da cidade extra-muros ficou do lado de Israel; a cidade antiga e o bairro extramuros a norte ficaram do lado árabe. Israel declarou Jerusalém sua capital, decisão essa ignorada pela comunidade internacional, pois ia contra a Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU de 1947, que recomendava a internacionalização da cidade. No dia 11 de Maio de 1949, o Estado de Israel foi admitido na ONU. A 24 de Abril de 1950, a Cisjordânia com a parte de Jerusalém sob domínio árabe foi anexada à Transjordânia, que passou a chamar-se Reino Hachemita da Jordânia. A Faixa de Gaza ficou sob administração militar egípcia.


Entre setecentos a novecentos mil palestinianos do que se tornou o território de Israel, isto é, a esmagadora maioria da sua população autóctone, encontraram-se na situação de refugiados. Uns fugiram de suas casas aterrorizados ao aproximarem-se as forças judaicas. O pânico que se abateu sobre a população palestiniana foi criado em boa parte pelos massacres cometidos pelas forças judaicas em vários pontos do país. O mais conhecido é o de Der Yassin, que era então uma aldeia na vizinhança de Jerusalém. As suas terras estão hoje ocupadas por Giveat Chaul, um bairro da cidade. A 9 de Abril de 1948, um comando do Irgun e do Stern entrou em Der Yassin e massacrou mais de cem pessoas, homens, mulheres e crianças. A notícia desse massacre provocou a fuga de cerca de 100.000 pessoas da região de Jerusalém. Outros palestinianos foram expulsos à força. Entre os vários casos conhecidos, os de maiores proporções tiveram lugar em Lida (a actual cidade de Lod) e Ramlé. Uma escaramuça com tropas árabes ocorrida no dia 12 de Julho de 1948 serviu de pretexto ao exército de Israel para uma violenta repressão que custou a vida a 250 pessoas, algumas das quais eram prisioneiros desarmados, assim como para a expulsão de cerca de 70.000 pessoas, algumas das quais já eram refugiadas. A ordem de expulsão foi dada pelo próprio Primeiro-Ministro, David ben Gurion. Os seus executores foram Igal Alon e Isaac Rabin. A Galileia foi a região do território de Israel onde ficaram mais palestinianos. As zonas de maior densidade populacional palestiniana ficaram sob administração militar até 8 de Dezembro de 1966.


A 11 de Dezembro de 1948 a ONU aprovou a resolução 194 que reconhece aos refugiados palestinianos o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indemnizados, se assim o preferirem. Apesar de o preâmbulo da resolução que o admitiu na ONU mencionar explicitamente a aplicação desta resolução, Israel recusou-se e continua a recusar-se a aplicá-la. Apressando-se a arrasar as aldeias palestinianas que tinham sido esvaziadas dos seus habitantes (o número habitualmente avançado é de cerca de 500 localidades) e distribuindo as suas terras aos imigrantes judeus, Israel tornou impossível o regresso de uma boa parte dos refugiados aos seus lares. A esmagadora maioria dos refugiados amontoou-se em acampamentos na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, na Síria e no Líbano. No dia 1 de Maio de 1950 a ONU criou a UNRWA, a agência internacional que se ocupa deles.


Desde a criação do Estado de Israel, o conflito que o opõe aos palestinianos tem sido o epicentro de um conflito entre Israel e o conjunto dos países árabes, com fortes repercussões mundiais. Esse conflito foi, em particular, a causa, ou pelo menos a ocasião, da emigração da maioria esmagadora dos judeus dos países árabes para a Palestina/Israel a partir dos últimos anos da década de 1940. As circunstâncias variaram ligeiramente segundo os países. De um modo geral, pode dizer-se que uns emigraram por causa da hostilidade de que o conflito os tornou alvos nos seus respectivos países e os outros foram «puxados» ou «empurrados» por Israel, desejoso de multiplicar o mais rapidamente possível a sua população judaica por razões nacionalistas, militares e económicas, repovoando assim o território que havia sido praticamente esvaziado da sua população palestiniana. De facto, os «judeus orientais» depressa se tornaram maioritários em Israel, mas o aparelho de estado e o poder económico ficaram bem firmes nas mãos dos askenazes. A importância numérica entre os dois grupos mudou entretanto a favor dos askenazes com os numerosos imigrantes vindos, nas últimas décadas, das repúblicas soviéticas, antes e depois da dissolução da União Soviética.



A guerra de 1967 e as suas consequências


Desde o fim da Guerra de Suez, em 1956, forças internacionais separavam os exércitos de Israel e do Egipto e garantiam a liberdade de navegação no Golfo de Akabá. A 19 de Maio de 1967, o Secretário-Geral da ONU, U Thant, decidiu retirá-las, a pedido do Presidente do Egipto Gamal Nasser. No dia 22 de Maio, G. Nasser fechou o Golfo de Akabá aos barcos israelenses. Israel ripostou no dia 5 de Junho com uma guerra-relâmpago durante a qual ocupou toda a Península do Sinai (egípcia), a Faixa de Gaza (sob administração militar egípcia), a Cisjordânia juntamente com Jerusalém Oriental (anexadas pela Jordânia em 1950) e o Planalto do Golã (sírio). Israel anexou a parte de Jerusalém recém-ocupada.


A chamada «Guerra dos Seis Dias» fez mais refugiados palestinianos, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, alguns dos quais o eram pela segunda vez. Calcula-se que o seu número foi superior a 50.000. A maioria foi para a Jordânia. Os restantes foram para o Egipto, a Síria e outros países.


No dia 22 de Novembro de 1967, o Conselho de segurança da ONU aprovou a resolução 242 que se propunha formular os termos para uma paz justa e duradoura no Próximo Oriente, baseada no respeito pelos princípios da Carta da ONU e na inadmissibilidade da aquisição de territórios pela guerra. A resolução ordena a retirada das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no recente conflito[9] em troca do reconhecimento pelos estados árabes do Estado de Israel dentro das linhas do armistício de 1949. Além disso, a resolução ressalta a necessidade de garantir a liberdade de navegação através das águas internacionais da área e de dar uma solução justa ao problema dos refugiados. Longe de se retirar dos territórios recentemente ocupados, como exigia a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, Israel começou logo a colonizá-los com cidadãos seus.


De 1967 a 1995


A história do conflito israelo-palestiniano desde 1967 é um rosário de planos de paz abortados, de esperanças frustradas e, como nos períodos anteriores, de violência, sangue, destruição e lágrimas. Referiremos só, rapidamente, os factos, os acontecimentos e as datas que nos parecem mais marcantes e susceptíveis de ajudar a compreender a situação actual.


Começaremos por assinalar uma mudança nos papéis desempenhados pelos intervenientes no conflito. A anexação da Cisjordânia pela Jordânia em 1950 e a passagem da Faixa de Gaza para a tutela do Egipto levaram a uma espécie de eclipse do povo palestiniano. A situação mudou a partir de 1967. O povo palestiniano voltou a tomar em mãos o seu destino. Por mais que se tenha esforçado por negar a sua existência, Israel teve finalmente que reconhecer o povo palestiniano não só como povo, mas também como «interlocutor/inimigo» inevitável. Incarnou as aspirações nacionais palestinianas a Organização de Libertação da Palestina (OLP), uma coligação de partidos ou grupos que havia sido criada em Jerusalém, em 1964. Tal como foi formulada em 1968, a Carta da OLP, na linha do que sempre fora a política palestiniana, propunha-se como objectivo a criação do Estado da Palestina em todo o território nacional. Isso implicava o desaparecimento do Estado de Israel. A carta da OLP considerava os judeus que viviam na Palestina antes da «invasão sionista» como palestinianos com pleno direito à cidadania, como os demais habitantes: muçulmanos, cristãos e de outras religiões ou etnias.


A chefia da OLP esteve na Jordânia até 1971. Derrotada no conflito armado que a opôs ao Governo Jordano (Fevereiro e Setembro de 1970), a OLP foi expulsa desse país em 1971, instalando-se então no Líbano. Na sequência desses acontecimentos, alguns grupos palestinianos, que se apelidaram «Setembro Negro», lançaram-se numa campanha de guerrilha internacional, cujas acções mais espectaculares foram os numerosos desvios de aviões comerciais e o atentado contra os atletas israelenses que participavam nos Jogos Olímpicos de Munique a 5-6 de Setembro de 1972.


No dia 6 de Outubro de 1973, o Egipto e a Síria tentaram, em vão, reconquistar militarmente cada qual os territórios conquistados por Israel em 1967. No dia 22 do mesmo mês, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 338 que reafirma a validade da Resolução 242 e apela para um cessar-fogo e para negociações com vistas a «instaurar uma paz justa e duradoura no Próximo Oriente». Os combates cessaram três dias mais tarde.


No mês seguinte, a Liga Árabe, reunida na Cimeira de Argel (26-28 de Novembro de 1973), declarou a OLP único representante do povo palestiniano. Desde 1970 a Assembleia Geral da ONU afirmava regularmente o direito do povo palestiniano à auto-determinação. No dia 13 de Novembro de 1974, Yasser Arafat fez um discurso na Assembleia Geral da ONU. Esta reconheceu aos palestinianos o direito à independência e concedeu à OLP o estatuto de observador. A ideia da criação do Estado da Palestina só em parte do território nacional, já abordada em Junho de 1974, foi aceite no 13º Conselho Nacional Palestiniano, de 12-20 de Março de 1977.


No dia 17 de Setembro de 1978, foram assinados os acordos de Camp David entre o Egipto, Israel e os EUA. Israel devolveu o Sinai ao Egipto. Paralelamente à retirada do Sinai, que terminou a 25 de Abril de 1982, Israel intensificou a colonização da Cisjordânia e do Golã. Em conformidade com os acordos de Camp David, o Egipto e Israel começaram, a 25 de Maio de 1979, negociações sobre um estatuto de autonomia para os palestinianos da Cisjordânia e de Gaza, não escondendo Israel a intenção de anexar esses territórios no termo dos cinco anos previstos para a autonomia.


No dia 6 de Junho de 1982, Israel invadiu o Líbano com a intenção declarada de expulsar de lá a OLP. Nos termos de um cessar-fogo negociado sob a égide dos EUA, as forças da OLP foram evacuadas do Líbano entre 10 e 13 de Setembro desse ano, mudando-se a sua chefia para Tunes. Foi então que se deram os massacres de Sabra e de Chatila. Nos dias 15-16, o exército de Israel ocupou a parte ocidental de Beirute. No dia 16, as Forças Libanesas (milícias cristãs aliadas de Israel) entraram nos campos de refugiados palestinianos de Sabra e de Chatila e mataram homens, mulheres e crianças. Os soldados israelenses que cercavam os campos assistiram aos massacres sem intervir. Segundo a comissão de inquérito oficial israelense houve 800 mortos; segundo a OLP, terá havido 1500. A dita comissão israelense concluiu que Ariel Charon, então Ministro da Defesa, foi indirectamente responsável pelo sucedido.


No dia 9 de Dezembro de 1987 rebentou a primeira Intifada (insurreição) em Gaza e na Cisjordânia contra a ocupação.


No dia 31 de Julho de 1988, o rei Hussein da Jordânia anunciou oficialmente que rompia «os vínculos legais e administrativos» do seu país com a Cisjordânia, renunciando à pretensão de soberania sobre esse território que havia sido anexado pelo seu avô em 1950.


No 19º Conselho Nacional Palestiniano, reunido em Argel, a OLP proclama o Estado de Palestina no dia 15 de Novembro de 1988, aceita as resoluções do Conselho de Segurança da ONU 181, 242 e 338 e reafirma a condenação do terrorismo.


Na sequência da chamada «Guerra do Golfo», houve a Conferência Internacional de Madrid (inaugurada no dia 30 de Outubro de 1991) e as primeiras negociações bilaterais entre Israel e três dos seus vizinhos árabes (Jordânia, Síria e Líbano). Os palestinianos ainda não tiveram a sua delegação própria. Fizeram parte da delegação jordana.


Negociações secretas entre israelenses e palestinianos tidas em Oslo, no Inverno de 1992-1993, levaram finalmente ao reconhecimento entre Israel e a OLP a 9 de Setembro de 1993. A 13 do mesmo mês Yasser Arafat e Isaac Rabin assinaram em Washington a «Declaração de Princípios sobre as Disposições Interinas de “Auto-Governo”». A dita declaração determinava a entrega de parte da Cisjordânia e da Faixa de Gaza aos palestinianos, entrega essa concebida como a primeira etapa de um processo que deveria desembocar, no prazo de cinco anos, na solução do conflito que opõe os palestinianos e os sionistas/israelenses desde há quase um século. De facto, Y. Arafat entrou em Gaza no dia 1 de Julho de 1994 e o exército de Israel terminou a retirada das cidades palestinianas, excepto de Hebron, em Dezembro de 1995. Os palestinianos viram nesse facto o começo da realização do sonho de um estado palestiniano independente, embora só em cerca de um quinto da sua pátria e dividido em duas partes (Cisjordânia e Faixa de Gaza), separadas pelo território de Israel. Incluindo Jerusalém Oriental, a Cisjordânia tem uns 5.850 km2. A Faixa de Gaza tem uns 365 km2.



Desde 1995


No dia 23 de Outubro de 1998, Israel e a Autoridade Palestiniana assinaram o memorando de Wye River que previa a entrega à Autoridade Palestiniana de mais 13 % do território da Cisjordânia no prazo de três meses, mas passados menos de dois meses, a 18 de Dezembro, Israel suspendeu a sua aplicação.


No dia 4 de Maio de 1999 terminou o período da autonomia palestiniana previsto na «Declaração de Princípios». Sob a instigação do Presidente dos EUA William Clinton, Y. Arafat e Ehud Barak assinaram, no dia 4 de Setembro do mesmo ano, o memorando de Charm ech-Cheikh, que redefinia o calendário para a aplicação do memorando de Wye River e, além disso, estipulava a abertura de dois corredores seguros entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, a libertação de mais um grupo de prisioneiros palestinianos e o começo das negociações sobre todas as questões ainda em suspenso. Tudo isso ficou letra morta. W. Clinton convocou de novo Y. Arafat e E. Barak com os quais se reuniu em Camp David de 11 a 24 de Julho. As negociações avançaram, mas não se chegou a um acordo. Seguiram-se ainda outras tentativas de negociações instigadas igualmente por W. Clinton, prestes a terminar o seu mandato. A última dessas tentativas teve lugar em Taba (Egipto) de 21-27 de Janeiro de 2001, dias antes de os israelenses escolherem A. Charon para seu primeiro-ministro em vez de E. Barak.


Resumindo, os acordos de Oslo não criaram a dinâmica de paz que deles se esperava. Praticamente não se foi além da aplicação do que se previa que fosse só a sua primeira fase. É verdade que Israel se retirou das oito zonas urbanas da Cisjordânia e de cerca de 80 % da Faixa de Gaza, deixando assim a maioria esmagadora dos palestinianos sob a jurisdição exclusiva da Autoridade Palestiniana[10]. Repare-se, no entanto, que as oito zonas urbanas da Cisjordânia são ilhas num mar israelense[11]. Não havendo contiguidade territorial entre elas, estão isoladas umas das outras. Em condições «normais», essa situação entrava seriamente a circulação de pessoas e bens e, por conseguinte, todas as actividades, nomeadamente a actividade económica, dos palestinianos. Em situações de «crise», ela permite ao exército israelense reocupar em poucos minutos, e com poucos meios (uns quantos tanques e buldózeres), as cidades palestinianas ou sitiá-las, encarcerando nelas os seus habitantes. Pelo contrário, os colonos israelenses continuaram a evoluir à vontade num espaço aberto, dispondo para isso de uma moderna rede rodoviária própria, que não só lhes permite circular na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas também os liga ao território de Israel. Longe de parar, como deveria ter acontecido em conformidade com o espírito do «processo de Oslo», a colonização, sobretudo da Cisjordânia, intensificou-se. Cresceram os colonatos já existentes e criaram-se outros novos. Para esse efeito, confiscaram-se mais terras. Isto e o não-cumprimento por parte de Israel de outros acordos levaram os palestinianos a perder a confiança no «processo de Oslo». A frustração, à altura da imensa esperança que o dito processo havia suscitado, levou os palestinianos à beira da explosão. A visita de A. Charon, então chefe da oposição israelense, à Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, no dia 28 de Setembro de 2000, serviu de rastilho. O horror do que desde então se passa na Palestina tem ecoado ruidosamente em todo o mundo dia após dia, graças aos meios de comunicação social.



ALGUMAS CONCLUSÕES E REFLEXÕES


Para terminar, algumas conclusões e reflexões. Começaremos por um apanhado dos pontos de divergência fundamentais que existem actualmente entre a Autoridade Palestiniana e Israel.


1 – A questão dos refugiados. Israel recusa-se a aplicar a Resolução 194. Aprovada pela Assembleia Geral da ONU a 11 de Dezembro de 1948 e reafirmada todos os anos, essa resolução reconhece aos refugiados o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indemnizados, se assim o preferirem. Israel nega-se até a reconhecer a sua responsabilidade moral e legal pela existência dos refugiados. Durante décadas «legitimou» essa recusa dizendo que os palestinianos abandonaram as suas casas por ordem dos países/exércitos árabes, que lhes teriam prometido o regresso dentro de pouco tempo. Ora, os estudos dos chamados «novos historiadores» israelenses da última década confirmaram o que os historiadores palestinianos sempre disseram e os bons conhecedores da questão sabiam há muito, para não falar das vítimas: Essa versão da origem do problema dos refugiados palestinianos é uma invenção da propaganda israelense. Por isso, Israel funda agora abertamente a recusa do regresso dos refugiados no que é, e sempre foi, a verdadeira razão: O regresso dos refugiados mudaria a composição étnica de Israel, que se «arriscaria» a deixar de ser um estado maioritariamente judaico. Ora, foi precisamente para evitar esse «perigo» que Israel expulsou muitos dos refugiados de suas casas.


Os refugiados palestinianos são, de facto, muito numerosos. A 30 de Junho de 1999, a UNRWA recenseava 3.600.000. Não entram nesse número os que se tornaram refugiados em 1967 (mais de 50.000) e os seus descendentes. Sabe-se que existem mais umas centenas de milhar de palestinianos que foram deslocados e não constam nas listas da UNRWA.


2 – Jerusalém Oriental. A parte oriental de Jerusalém foi conquistada em 1967. O plano da internacionalização de Jerusalém (na sua totalidade, indo até Belém) tendo sido aparentemente abandonado, a parte oriental da cidade é um dos territórios ocupados em 1967, que a Resolução 242 do Conselho de Segurança ordena devolver. O facto de Israel a ter anexado e de lhe ter alargado as fronteiras não muda de forma alguma o seu estatuto do ponto de vista da legalidade internacional. Essas medidas foram aliás declaradas nulas repetidas vezes pelas instâncias da ONU. No que se pode considerar um gesto de boa vontade, a Autoridade Palestiniana aceita ceder a Israel a soberania sobre partes de Jerusalém Oriental, nomeadamente o chamado «Muro das Lamentações», o único vestígio das construções ligadas ao templo judaico que se conhece[12]. Por ser o lugar do antigo templo judaico, do qual nada é visível, Israel opõe-se à soberania palestiniana sobre a Esplanada das Mesquitas, a qual com o santuário do Domo do Rochedo e a Mesquita de El-Aqsa, bem visíveis, é o terceiro lugar santo do islão.


3 – Colonatos. No decurso dos 35 anos de ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, Israel criou mais de duas centenas de colonatos sobretudo na Cisjordânia. Para esse efeito, apoderou-se de todos os recursos hídricos e da maioria das terras da Cisjordânia: umas declarou-as baldias e as outras, nomeadamente as que pertenciam aos refugiados ou a outras pessoas ausentes em 1967, confiscou-as. Calcula-se que há hoje 200.000 israelenses a viver na Cisjordânia e outros tantos em Jerusalém Oriental, ao lado de cerca de 2.000.000 de palestinianos. Na Faixa de Gaza há 6.900 israelenses, que dispõem de cerca de 20 % do território, ao lado de cerca de 1.200.000 palestinianos, dos quais cerca de 70% são refugiados. 33 % dos palestinianos da Faixa de Gaza vivem nos campos de refugiados administrados pela UNRWA. Sobrepovoadíssima, a Faixa de Gaza é um dos territórios do mundo com maior densidade demográfica.


A instalação de cidadãos civis do estado ocupante num território ocupado é explicitamente proibida pela IV Convenção de Genebra relativa à Protecção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra que Israel assinou. Por isso, a colonização israelense de Jerusalém Oriental e dos demais territórios ocupados foi muitas vezes declarada ilegal pelas instâncias da ONU (Conselho de Segurança e Assembleia Geral). Nas mesmas ocasiões as ditas instâncias internacionais exortaram Israel a anular todas as medidas tomadas no sentido da colonização dos territórios ocupados.


Para terminar, assinalamos algumas imagens correntes do conflito israelo-palestiniano que deformam completamente a realidade.


1 - Embora haja uma imensa admiração pelas proezas de Israel, nomeadamente pelas suas façanhas militares, tende-se não raro a pensar que as partes envolvidas no conflito israelo-palestiniano têm forças mais ou menos iguais. Ora, isso é inteiramente falso. Israel é uma grande potência militar não só a nível regional, mas também a nível mundial. Tem um dos exércitos mais poderosos do mundo. Tem também um poder económico apreciável. Além disso, seja qual for o seu governo ou a política seguida, tem disposto e continua a dispôr, incondicionalmente, do apoio económico, diplomático e político dos EUA, seja qual for o partido da sua administração. Ora, como se sabe, os EUA são actualmente a única superpotência e agem como donos incontestados do mundo. Pelo contrário, os palestinianos são na sua maioria um povo de refugiados sem nada que se compare, nem de muito longe, com os trunfos de Israel. Aliás, a incipiente infra-estrutura económica palestiniana foi em grande parte destruída por Israel nos últimos meses. Dada a imensa desigualdade das forças, é quase impossível que haja autênticas negociações entre as duas partes. De facto, Israel tem agido e continua a agir como quem quer, pode e manda, com a certeza de que os palestinianos terão de acabar mais uma vez por vergar a espinha e aceitar as suas condições, apanhar as migalhas que eles se dignam atirar-lhes. Longe de reconhecer a imensa injustiça que cometeu e continua a cometer para com os palestinianos, Israel tem agido e age para com eles com uma prepotência e uma arrogância imensas, particularmente chocantes porque vindas de pessoas que sabem, ou deviam saber, melhor do que ninguém o que é ser vítima da injustiça. Esse comportamento tem provocado e provoca cada vez mais uma humilhação indizível nos palestinianos. Do ponto de vista humano, é porventura isso o que mais profundamente os fere.


A desproporção abissal entre as forças em presença explica a diferença na natureza das armas usadas e nas formas de combate adoptadas por cada uma das partes, deitando cada uma mãos dos meios de que dispõe. À desproporção nas forças em presença corresponde naturalmente a desproporção na grandeza da violência e do terror semeados por cada uma das partes, no número de vidas destruídas e na importância dos danos materiais causados.


2 - Não é raro que os meios de comunicação social apresentem os palestinianos como os iniciadores do conflito que os opõe a Israel, isto é, os agressores. Ora, isso é pôr a realidade do avesso. Na melhor das hipóteses, os meios de comunicação social apresentam as duas partes como se estivessem num pé de igualdade do ponto de vista jurídico e moral. Ora, isso é falso. Dêm-se-lhe as voltas que se quiser, o facto insofismável é que Israel é o ocupante e os palestinianos são os ocupados. Israel é o opressor e os palestinianos são os oprimidos. Os palestinianos lutam para se libertar da ocupação e da opressão. Israel luta para perpetuar a ocupação e a opressão. Os palestinianos, autóctones da Palestina, não invadiram a terra de niguém, não colonizaram ninguém. Foram, sim, as vítimas de um processo de colonização clássico, do qual, em última análise, as potências europeias vencedoras da Primeira Grande Guerra – a Grã-Bretanha em primeiro lugar –, assim como os EUA são em grande parte os responsáveis. Como costuma repetir o Patriarca Latino de Jerusalém Monsenhor Michel Sabbah, a ocupação israelense é, no caso presente, a violência fundamental. É ela que engendra as outras violências de que tanto se tem falado nestes últimos tempos. Ao reconhecerem o Estado de Israel aquando dos acordos de Oslo, os palestinianos renunciaram aos cerca de 78 % da sua pátria de que o dito Estado os despojou em 1948-1949. A única coisa que reclamam é a devolução dos cerca de 22 % da Palestina que Israel conquistou em 1967 para neles criarem o seu estado, ao lado do Estado de Israel. Assiste-os em toda a linha a legalidade internacional, cuja aplicação não fazem senão exigir. Não deve esquecer-se que a dita legalidade internacional, na realidade, consagrou em boa parte factos consumados impostos pela força, que sempre beneficiaram os israelenses e lesaram os palestinianos. A criação de um estado árabe ao lado de um estado judaico na Palestina foi recomendada pela resolução 181 da Assembleia Geral da ONU de 29 de Novembro de 1947. Repare-se que a ONU atribuia ao estado árabe 43 % do território, não os 22 % que os palestinianos hoje reclamam. A justiça mais elementar exige que os refugiados palestinianos possam regressar a suas casas, se assim o desejarem, ou sejam indemnizados pelo que perderam. Foi isso mesmo o que ordenou a Resolução 194 do Conselho de Segurança da ONU de 1948, Resolução essa que tem sido reafirmada pelas instâncias da mesma organização internacional dezenas de vezes. A retirada de Israel da Cisjordânia/Jerusalém Oriental e da Faixa de Gaza foi ordenada pela resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU de 1967.


Teoricamente, essas decisões da ONU deveriam ser executadas pura e simplesmente, sem regateios. As negociações, caso as houvesse, normalmente deveriam ter só por objecto as questões práticas relativas à execução das ditas decisões. Claro que quando há boa vontade, em particular, no mundo mediterrânico, são sempre possíveis acomodamentos e arranjos.


Entre os inumeráveis conflitos que ensanguentaram e ensanguentam o mundo no último século, o que opõe israelenses e palestinianos é um dos mais duradouros e, sem dúvida, o que mais eco encontra no mundo, pelo menos no mundo que é herdeiro da tradição bíblica por intermédio do cristianismo, do islão e do judaísmo. Os simples cidadãos que somos, com maior razão se não somos nem israelenses nem palestinianos, sentimo-nos completamente impotentes perante ele. Há uma coisa que podemos fazer, porventura a única. É oferecer a nossa simpatia e a nossa solidariedade não aos que querem eternizar a injustiça, mas àqueles, israelenses e palestinianos, que procuram pôr-lhe fim, pelo menos na medida em que isso ainda é possível.

LISBOA - 2002 - PORTUGAL



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[1] Usamos palestinense em relação com a Palestina antiga, palestiniano em relação com a Palestina moderna.


[2] Adopção da língua árabe, da forma árabe dos nomes pessoais e da era da Hégira.


[3] Nasceu em Budapeste, mas passou a maior parte da vida em Viena.


[4] Askenaze qualificou primeiro o judaísmo da Alemanha com as suas tradições próprias, estendendo-se depois ao judaísmo de toda a Europa central e oriental. O termo designa de maneira genérica os judeus da Europa central e oriental ou de lá originários.


[5] Sefardita no sentido próprio qualifica os judeus da península ibérica e os seus descendentes. Depois da sua expulsão, os judeus ibéricos dispersaram-se sobretudo nos países mediterrânicos, mas também nos Países Baixos, na Grã-Bretanha e, finalmente, nas Américas. Na linguagem corrente, a palavra sefardita aplica-se frequentemente, de maneira inadequada, a todos os judeus não askenazes. Como a sua grande maioria vivia nos países mediterrânicos e nos países árabo-muçulmanos do Próximo e Médio Oriente (Iraque, Iémen, Irão, etc.), os judeus não-askenazes também são muitas vezes chamados «judeus orientais».


[6] Distinguindo entre o antigo Reino de Israel e o Estado de Israel moderno, usamos, como fazem as outras línguas ocidentais, dois nomes de nacionalidade diferentes, respectivamente israelita e israelense.


[7] O que mais se pareceu com uma consulta dos palestinianos foi a chamada Comissão King-Crane. Os norte-americanos Henry C. King e Charles R. Crane efectuaram de facto uma missão na Palestina e consultaram os seus habitantes em Junho-Julho de 1919. No seu relatório, King e Crane recomendaram profundas modificações no projecto sionista, mas a Grã-Bretanha e a França, que haviam boicotado a missão, não fizeram caso dessas recomendações.


[8] Menahem Beguin e Isaac Chamir, que serão mais tarde primeiros-ministros de Israel, estiveram ligados a estes grupos. O primeiro dirigiu o Irgun a partir de Dezembro de 1943. O segundo foi um dos chefes do Stern.


[9] Há uma divergência subtil entre os textos inglês e francês da resolução, ambos oficiais. O primeiro fala “dos territórios” (“des territoires”) e o segundo “de territórios” (“from territories”). Israel só tem em conta a versão inglesa que lhe permitiria eventualmente guardar parte dos territórios conquistados en 1967. Afirmando a inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra sem qualquer restrição, o segundo considerando da resolução parece excluir tal interpretação.


[10] Esses territórios, sobretudo o da Cisjordânia, foram divididos, de forma complicadíssima, em três zonas: A (com administração palestiniana exclusiva), B (com administração civil palestiniana e ocupação militar israelense) e C (administração israelense exclusiva).


[11] Na Cisjordânia, a zona A representa 17.2% do território, a zona B 23.8% e a zona C 59%. Os mapas da Cisjordânia onde figuram estas divisões são com frequência comparados à pele de um leopardo.


[12] A ironia do destino quer que essas construções tenham sido obra do idumeu Herodes Magno.






A PALESTINA
Dados históricos para a compreensão da situação actual
e algumas reflexões
Comissão Justiça e Paz CNIR/FNIRF





INTRODUÇÃO


Palestina é o nome do território situado entre o Mediterrâneo a oeste, o rio Jordão e o Mar Morto a este, a chamada Escada de Tiro a norte (Ras en-Naqura/Roch ha-Niqra, fronteira com o Líbano) e o Wadi el-Ariche a sul (fronteira com o Sinai, tradicionalmente egípcio). Com 27.000 km2, a Palestina é formada, de um modo geral, por uma planície costeira, uma faixa de colinas e uma cadeia de baixas montanhas cuja vertente oriental é mais ou menos desértica.


A Palestina foi habitada desde os tempos pré-históricos mais remotos. A sua história esteve geralmente ligada à história da Fenícia, da Síria e da Transjordânia, limítrofes. Talvez por causa da sua situação geográfica – faz parte do corredor entre a África e a Ásia e ao mesmo tempo fica às portas da Europa –, a Palestina nunca foi sede de um poder que se estendesse para além das suas fronteiras. Pelo contrário, esteve quase sempre submetida a poderes estrangeiros, sediados na África, na Ásia ou na Europa. Em regra geral, foi só sob as potências estrangeiras que ela teve alguma unidade política.



DE FINS DO II MILÉNIO A. C. A MEADOS DO SÉCULO XIX


Para melhor compreender a situação actual da Palestina, convém fazer um esboço da sua história a partir do II milénio a. C. A Palestina esteve organizada em cidades-estado sob a hegemonia egípcia durante uma boa parte do II milénio. A situação mudou nos últimos séculos desse milénio. Chegaram então à Palestina sucessivas vagas de imigrantes ou invasores vindos do norte e do noroeste, das ilhas ou do outro lado do Mediterrâneo. Os historiadores costumam designá-los com a expressão Povos do Mar. Esses povos parecem ter-se fixado sobretudo ao longo da costa. Os mais conhecidos entre eles são os Filisteus que se fixaram sobretudo no sudoeste (costa, oeste do Neguev e Chefela). Aí fundaram vários pequenos reinos (Gaza, Asdod, Ascalão, Gat e Ekron). Paralelamente aos reinos filisteus, constituiram-se primeiro o reino de Israel no norte da Palestina e depois o reino de Judá, mais pequeno, na zona de baixas montanhas do sul. Durante a maior parte da sua existência, Israel teve como capital Samaria. Hebron foi a primeira capital de Judá, mas depressa cedeu o lugar a Jerusalém.


Entre os antigos povos da Palestina, os Filisteus foram porventura os que maior influência exerceram até aos últimos séculos da era pré-cristã. Com efeito, não deve ter sido por acaso que o seu nome foi dado a toda a região, a Palestina, isto é, o país dos Filisteus. Com o sentido que se tornou habitual, o nome está já documentado nas Histórias do grego Heródoto em meados do séc. V a. C. Apesar da sua importância na antiguidade, conhecem-se muito mal os Filisteus e a história dos seus reinos. A razão óbvia dessa ignorância é a inexistência de uma biblioteca ou de bibliotecas filisteias comparáveis ao Antigo Testamento. Praticamente tudo o que se sabe ou se pensa saber sobre os Filisteus se baseia nos escritos bíblicos. Por conseguinte, a posteridade só conhece os Filisteus na medida em que eles estão em relação com Israel, com Judá ou com os judeus. Além disso, vê-os através dos olhos daqueles que foram os seus concorrentes, não raro os seus inimigos declarados. De facto, a posteridade, de maneira geral, não se interessa pelos Filisteus nem os estuda por si mesmos, mas só por causa da sua relação com a história bíblica. Tudo isso deformou a visão que se tem deles, do lugar que ocuparam e do papel que desempenharam, aparecendo os Filisteus como um elemento marginal na história da Palestina antiga. Esse erro de perspectiva influencia sem dúvida alguma a visão corrente que se tem da actual Palestina, da sua composição étnica e da sua situação política.


Os vários reinos palestinenses[1], filisteus e hebraicos, coexistiram durante séculos. Ora guerrearam entre si ora se aliaram para sacudir o jugo da grande potência do momento. A primeira vítima desse jogo foi Israel, conquistado e anexado pela Assíria em 722 a. C. Desde então até 1948 não houve nenhuma entidade política chamada Israel. Os reinos filisteus e o reino de Judá continuaram a existir sob a dependência da Assíria, a grande potência regional entre o séc. IX e fins do séc. VII a. C., cujo território nacional se situava no norte da Mesopotâmia, no actual Iraque.


No fim do séc. VII a. C., o Egipto e a Babilónia, a outra grande potência mesopotâmica, com a sede no sul do Iraque actual, disputaram-se os despojos do império assírio. Tendo a Babilónia levado a melhor, a Palestina ficou-lhe submetida durante cerca de oito décadas. De um modo geral, as histórias, focadas como estão em Judá, falam só da conquista desse reino por Nabucodonosor, da deportação para a Babilónia de parte da sua população, da destruição de várias das suas cidades, nomeadamente de Jerusalém com o templo de Iavé (597 e 587 a. C.). Deve no entanto reparar-se que os reinos filisteus de Ascalão e de Ekron, conquistados por Nabucodonosor respectivamente em 604 e em 603, tiveram um destino semelhante.


Em 539 a. C. a Palestina passou com o resto do império babilónico para as mãos dos Persas Aqueménidas. Sabe-se que estes entregaram a administração do território de Judá, pelo menos de parte dele, a membros da comunidade judaica da Babilónia. Em 331 a Palestina foi conquistada pelo macedónio Alexandre Magno. Após a morte deste, ficou primeiro sob o domínio dos Lágidas ou Ptolomeus que tinham a capital em Alexandria, no Egipto (320-220 a. C.). Depois passou para a posse dos Selêucidas sediados em Antioquia, na Síria (220-142 a. C.). Entre 142-63 a. C, os Asmoneus, uma dinastia judaica, com Jerusalém como capital, conseguiu não só libertar-se do poder selêucida, mas até impôr o seu domínio praticamente em toda a Palestina, inclusivamente nos territórios filisteus. Nessa altura a grande maioria dos judeus já vivia fora da Palestina, encontrando-se dispersos em todo o Próximo Oriente. A dispersão deveu-se sobretudo à emigração e, numa medida de longe muito menor, às deportações de 597-587. Os principais centros judaicos fora da Palestina eram então Alexandria e Babilónia. Profundamente helenizados, os judeus de Alexandria liam as suas Escrituras em grego. Deve-se-lhes a colectânea de escritos que se tornará o Antigo Testamento cristão.


Em 63 a. C., a Palestina passou a fazer parte do império romano dentro do qual não teve sempre o mesmo estatuto. Por voltas de meados do séc. I da era cristã, os judeus da Palestina tentaram libertar-se do domínio romano. Houve primeiro várias sublevações locais. Em 66 a revolta generalizou-se. Em 70 os Romanos conquistaram Jerusalém e destruiram o templo judaico. Os judeus da Palestina voltaram a revoltar-se em 131. Após ter esmagado a revolta, em 135, o imperador Adriano fez de Jerusalém uma colónia romana, Colonia Aelia Capitolina, da qual os judeus estiveram excluídos durante algum tempo. Com a ruína do templo e o fim da autonomia judaica na Palestina desapareceu a maioria dos grupos político-religiosos nos quais o judaísmo, sobretudo o judaísmo palestinense, estava então dividido. Praticamente só ficaram em campo dois grupos: o farisaísmo e o cristianismo, recém-formado. Os dois grupos acabaram por separar-se e evoluiram de maneira independente, em concorrência e, não raro, em conflito. O farisaismo deu origem ao judaísmo rabínico, isto é, o judaísmo actual.


Graças à cristianização do império romano, a Palestina, palco dos acontecimentos fundadores do cristianismo, adquiriu uma grande importância para o mundo cristão, sobretudo para os cristãos que se encontravam dentro do império romano. Por isso durante o período bizantino (324-638) a Palestina conheceu uma prosperidade e um crescimento demográfico notáveis. Durante esse período a esmagadora maioria da sua população tornou-se cristã. Em 614 os Persas Sassânidas invadiram a Palestina, onde causaram grandes estragos. Ocuparam-na até 628, ano em que os Bizantinos a reconquistaram, mas por pouco tempo.


Com efeito, dez anos mais tarde, em 638 toda a Palestina passou para o domínio árabo-muçulmano. Este exerceu-se através de uma sucessão de dinastias, de origens, de etnias e com capitais diferentes. A primeira dessas dinastias, a dos Omíadas (660-750), com a capital em Damasco, foi uma das que mais marcou a Palestina, nomeadamente com a construção do Haram ech-Cherife (o Nobre Santuário/Esplanada das Mesquitas) no lugar que ocupara outrora o templo judaico, tornando Jerusalém na terceira cidade santa do islão. Seguiram-se os Abássidas (750-974) e os Fatimidas (975-1071), com as capitais respectivamente em Bagdad e no Cairo. Entre 1072 e 1092 a Palestina esteve sob os Turcos Seldjúcidas, que então tinham a sede em Bagdad.


Embora não tenha dado origem a uma imigração popular e, por conseguinte, não tenha mudado a composição étnica e a demografia de maneira apreciável, o regime árabo-muçulmano teve como consequência a arabização e a islamização da Palestina. A arabização[2], nomeadamente da população cristã de língua aramaica, língua parenta do árabe, deu-se muito depressa. Não pode dizer-se outro tanto da islamização. Apesar de o islamismo se apresentar como o acabamento da tradição bíblica, partilhada pelo cristianismo, pelo judaísmo e pelo samaritanismo, o processo de islamização da população palestinense (cristã, judaica e samaritana) parece ter sido muito lento. Em 985, após três séculos e meio de regime islâmico, o geógrafo árabe-muçulmano de Jerusalém, conhecido pelo nome de el-Maqdisi («o jerosolimitano»), lamenta-se de que os cristãos e os judeus são maioritários na sua cidade natal. O que el-Maqdisi escreve a respeito da Jerusalém de fins do séc. X valia para o conjunto da Palestina e continuou provavelmente a valer durante cerca de mais dois séculos e meio.


Organizada com o intuito declarado de arrancar o túmulo de Cristo das mãos dos «infiéis», a primeira cruzada terminou, em 1099, com a conquista de Jerusalém e, no ano seguinte, a criação do Reino Latino de Jerusalém. Este manteve-se até 1187, tendo sido então conquistado pelo curdo Saladino, o fundador da dinastia ayúbida. Aos Ayúbidas seguiram-se os Mamelucos, primeiro turcos (1250-1382) e depois circassianos (1382-1516). Os Ayúbidas e os Mamelucos tiveram a capital no Cairo. Segundo a maioria dos especialistas da questão, foi durante o período mameluco que teve lugar a grande vaga da islamização popular da Palestina. Desde então até à segunda metade do séc. XX, os muçulmanos constituiram a esmagadora maioria da população. Do ponto de vista numérico, o segundo grupo era constituído pelos cristãos, seguidos, de muito longe, pelos grupos dos judeus e dos samaritanos. Em 1517 a Palestina passou para o poder dos Turcos Otomanos, cuja capital era Istambul.



DESDE MEADOS DO SÉCULO XIX
Começos do sionismo


O judaísmo conserva a esperança de que um dia todo o povo judaico disperso «regressará» ao que chama «a Terra/País de Israel», onde se reunirá e viverá como nação, observando rigorosa e integralmente a Lei divina. A nação judaica será assim «inteiramente liberta da servidão» das outras nações. A «redenção de Israel» transbordará, estendendo-se a todos os seres humanos e ao mundo inteiro. Tudo isso será obra de Deus, não do povo. Com efeito, a tradição religiosa vê na dispersão (diáspora) ou no exílio (termo mais corrente, embora historicamente inadequado) o castigo divino pelos pecados do povo, ao qual por conseguinte só o próprio Deus pode pôr fim. Durante muitos séculos a utopia da «redenção de Israel» não transbordou do âmbito religioso, que é a sua matriz. Deu origem a peregrinações e a imigrações individuais ou de pequenos grupos que não modificaram o estatuto político da Palestina nem a sua composição étnica, a qual, apesar das numerosas mudanças políticas e religioso-culturais, parece ter permanecido relativamente estável desde fins do II milénio a. C. até fins do II milénio da era cristã.


A situação começou a mudar no século XIX. No contexto do triunfo das ideologias nacionalistas e da ideia do estado nacional, surgiu entre os judeus laicos da Europa central e oriental um movimento nacionalista secular cujo objectivo era a criação de um estado dos judeus, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. Para os seus partidários, o dito estado tomou de certo modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da «redenção de Israel» ocupa na tradição religiosa. Contrariamente à reunião de «Israel» da utopia religiosa, o estado projectado pelos nacionalistas judeus não tinha necessariamente a Palestina por cenário. Com efeito, o seu principal promotor, Teodoro Herzl (1860-1904)[3], encarou a possibilidade de o criar na Argentina. Falou-se também de Chipre, da África oriental e do Congo. Diga-se de passagem que a liberdade na escolha do futuro «território nacional» de que deram mostras os nacionalistas judaicos se explica pelo facto de se viver então na Europa no apogeu do sonho colonialista. Consideravam-se colonizáveis todos os territórios situados fora da Europa. Colonizá-los era tido por uma obra benemérita, pois era «civilizá-los».


Os nacionalistas judaicos não tardaram a optar pela Palestina. Essa escolha, embora não fosse necessária, era natural e particularmente mobilizadora, por causa da ligação do judaísmo à Palestina e da atracção que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou originários desse país. O nacionalismo judaico tomou assim o nome de sionismo, palavra que deriva de Sião, um dos nomes de Jerusalém na Bíblia. Repare-se também que a escolha da Palestina se enquadrava nos projectos coloniais das potências europeias, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, que preparavam a partilha dos despojos do império otomano decadente. Foi sem dúvida por isso que o projecto sionista vingou.


Durante décadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes[4] laicos, sem base popular. Houve componentes do judaísmo, nomeadamente as grandes comunidades sefarditas[5] da África do norte, que estiveram praticamente à margem desse movimento até à década de 1930 ou ainda mais tarde. No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas divisões nas diferentes componentes do judaísmo, religioso e secular, askenaze, sefardita e pertencente a outros grupos. Embora se tenham atenuado ou transformado, essas divisões subsistem ainda hoje.


Para a maioria esmagadora dos rabinos da Europa central e oriental que se encontraram confrontados com ele, o projecto dos sionistas de criar o estado dos judeus, apoiando-se para isso nos seus próprios meios políticos, diplomáticos e económicos, era a negação da esperança na «redenção de Israel» por iniciativa e obra exclusivas de Deus. Por isso, condenaram o sionismo como uma manifestação de orgulho, o pecado por excelência. O partido Agudat Israel (União/Associação de Israel), fundado em Kattowitz (Silésia, Polónia) em 1912, incarnou essa posição. O dito partido propunha-se reunir todos os judeus fiéis à Lei para se oporem ao nacionalismo sionista considerado como uma ameça mortal para o «autêntico judaísmo». No entanto, na década de 1930, o Agudat Israel mitigou, por pragmatismo, a sua oposição ao sionismo, aceitando que a Palestina se tornasse o refúgio para os judeus europeus perseguidos. Em 1948 reconheceu de facto as instituições do Estado de Israel. Participou em todas as eleições legislativas israelenses[6] e em vários governos. No entanto, algumas facções minoritárias não aceitaram a mudança de orientação. Além de persistirem na negação da legitimidade religiosa do Estado de Israel e na recusa de qualquer colaboração com ele, tornaram-se críticos acérrimos da sua política. Entre os pequenos grupos representantes dessa tendência, o dos Neturei Karta (Guardiães da Cidade) é actualmente o mais conhecido.


Uma minoria entre os judeus religiosos da Europa central e oriental aceitou bastante cedo colaborar com os sionistas. Um dos primeiros expoentes desta posição foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915), nascido em Karolin, na Bielorússia. Na origem, essa posição tinha sobretudo por objectivo não deixar aos seculares o monopólio do socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos. Incarnou-a o Mizrahi (Centro Espiritual), fundado em Vilnius (Lituânia) em 1902. Segundo essa corrente do judaísmo religioso, nada impede a colaboração com o sionismo, pois este não é incompatível com a tradição. A razão que ela dá funda-se, paradoxalmente, no carácter inteiramente materialista e político do sionismo. Dado o seu teor, o sionismo não pode fazer concorrência à esperança messiânica, que se situa num plano completamente diferente. A ideia da coexistência pacífica do judaísmo religioso e do sionismo depressa cedeu o lugar a uma integração da ideologia sionista dentro do sistema religioso tradicional. O autor dessa integração foi o rabino Abraão Isaac Hacohen Kook (1865-1935), nascido em Griva na Letónia, primeiro Rabino-Mor askenaze da Palestina (1921-1935). Contrariamente aos seus homólogos do Agudat Israel, o rabino Kook vê no sionismo um instrumento de que Deus se serve para dar início à «redenção de Israel», e no Estado dos judeus a aurora da redenção ou do reino de Deus. Os principais herdeiros actuais desta concepção do sionismo são o Partido Nacional Religioso e o Guch Emunim (Bloco da Fé), que reune os opositores mais irredutíveis à devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de Gaza conquistadas por Israel em 1967, assim como os colonizadores mais zelosos desses territórios.


O sionismo provocou também clivagens entre os judeus secularizados. Uns abraçaram-no com mais ou menos entusiasmo e agiram ou não em conformidade, outros serviram-se dele para diferentes fins, outros olharam-no com indiferença e outros ainda rejeitaram-no terminantemente, por razões políticas, morais, culturais ou sociais. Além dos anti-sionistas religiosos, os autênticos adversários do sionismo são ainda hoje judeus seculares, o que é natural, na medida em que a questão diz directamente respeito a uns e a outros.


O sionismo tornou-se popular entre os judeus, sobretudo entre os judeus seculares, da Europa oriental e central a partir de 1881 por causa dos numerosos ataques e pilhagens (pogroms, em russo) de que aí foram vítimas entre esse ano e 1921. De facto, foi a Europa oriental que forneceu os contingentes de emigrantes judeus que então foram instalar-se na Palestina. As duas primeiras vagas da emigração coincidiram aliás com as duas primeiras vagas de pogroms, que tiveram lugar respectivamente em 1881-1884 e em 1903-1906. A esmagadora maioria dos emigrantes era gente pobre e perseguida. Dirigiam-na intelectuais das classes médias. Estes fizeram financiar a operação por membros da burguesia judaica ocidental, europeia e norte-americana, ansiosa por desviar da sua porta uma imigração popular judaica que iria contrariar os seus desígnios de «assimilação» nos países respectivos.



A Primeira Grande Guerra e a Palestina


A Primeira Grande Guerra teve consequências decisivas para a Palestina. As potências aliadas não esperaram pelo fim da guerra para preparar o desmantelamento e a liquidação do império turco, aliado da Alemanha. Procurando aproveitar-se do nacionalismo árabe, a Grã-Bretanha prometeu ao cherife Hussein de Meca o seu apoio para a criação de um estado árabe independente tendo por fronteira ocidental o mar Vermelho e o Mediterrâneo, em troca da revolta árabe contra a Turquia. De facto, a Palestina, que faz parte do território do anunciado estado árabe, era cobiçada ao mesmo tempo pela Grã-Bretanha e pela França, mas as duas potências admitiram o princípio da sua internacionalização nos acordos secretos de Sykes-Picot de 16 de Maio de 1916. Esse facto não impediu a Grã-Bretanha de prometer no ano seguinte, na chamada Declaração Balfour, à Federação Sionista que faria todo o possível para o estabelecimento de «um lar nacional para o povo judaico» (a national home for the Jewish people) na Palestina. Para os sionistas, o circunlóquio «um lar nacional para o povo judaico» designava um estado judaico ou um estado dos judeus. O movimento sionista evitava o termo estado, falando antes de «lar nacional» ou de pátria, para não exacerbar a oposição turca ao projecto.


De facto, as forças britânicas, às quais se renderam as forças turcas em Jerusalém a 9 de Dezembro de 1917, terminaram a ocupação da Palestina em Setembro de 1918. A Palestina ficou então sob administração militar britânica, a qual foi substituída por uma administração civil a 1 de Julho de 1920. Entretanto, na Conferência da Paz reunida em Paris em Janeiro de 1919, as Potências Aliadas decidiram que os territórios da Síria, do Líbano, da Palestina/Transjordânia e da Mesopotâmia não seriam devolvidos à Turquia, mas passariam a formar entidades distintas, administradas segundo o sistema dos Mandatos. Criado pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações a 28 de Junho de 1919, o sistema dos Mandatos destinava-se a determinar o estatuto das colónias e dos territórios que se encontravam sob o domínio das nações vencidas. O dito documento declara que «algumas comunidades outrora pertencentes ao império turco atingiram um estado de desenvolvimento» que permite reconhecê-las provisoriamente como nações independentes. Em relação a essas nações, o papel das potências mandatárias seria ajudá-las a instalar a sua administração nacional independente. O mesmo documento estipula ainda que os desejos dessas nações devem ser uma consideração principal (a principal consideration) na escolha da potência mandatária. Na conferência de San Remo a 25 de Abril de 1920, o Conselho Supremo Aliado repartiu os Mandatos para essas nações entre a França (Líbano e Síria) e a Grã-Bretanha (Mesopotâmia, Palestina/Transjordânia). O Mandato para a Palestina, que incorpora a Declaração Balfour sobre o estabelecimento do «lar nacional para o povo judaico», foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações a 24 de Julho de 1922, tornando-se efectivo a 29 de Setembro do mesmo ano. Ao abrigo do disposto no art. 25 do Mandato para a Palestina, o Conselho da Liga das Nações decidiu a 16 de Setembro de 1922 excluir a Transjordânia de todas as cláusulas relativas ao lar nacional judaico, e dotá-la com uma administração própria. De facto, o território que os sionistas pretendiam para nele estabelecer o seu estado era bastante mais vasto do que a Palestina. Abarcava também toda a parte oeste da Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano a sul de Sidão.


Como previsto, todas essas nações se tornaram efectivamente independentes no curso das três décadas seguintes: O Iraque (Mesopotâmia) a 3 de Outubro de 1932, o Líbano a 22 de Novembro de 1943, a Síria a 1 de Janeiro de 1944 e, finalmente, a Transjordânia a 22 de Março de 1946. A única excepção foi a Palestina.


O obstáculo que fez descarrilar o processo da independência da Palestina foi a adopção pela Liga das Nações, seguindo nisso as pegadas da Grã-Bretanha, do projecto sionista da criação do «lar nacional para o povo judaico» nesse país. A Organização Sionista Mundial tinha entretanto amadurecido esse projecto e tinha-lhe granjeado apoios muito sólidos, vindo-lhe o principal da Grã-Bretanha. Esta expressou o seu patrocínio ao projecto sionista na já referida Declaração Balfour. Trata-se de uma carta que A. J. Balfour, Ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu, a 2 de Novembro de 1917, ao Lorde L. W. Rothschild, representante dos judeus britânicos, e, por seu intermédio, à Federação Sionista. Numa altura em que a Palestina ainda era oficialmente território turco, o Governo de Sua Majestade Britânica declara à Federação Sionista ver com bons olhos o estabelecimento de «um lar nacional para o povo judaico» nesse país e compromete-se a fazer todo o possível para facilitar a realização desse projecto. A carta acrescenta uma ressalva segundo a qual «nada deverá ser feito que prejudique os direitos cívicos e religiosos das comunidades não-judias que existem na Palestina». As ditas «comunidades não-judias» constituiam então um pouco mais de 90 % da população. De facto, em 1918, a Palestina tinha 700.000 habitantes: 644.000 árabes (574.000 muçulmanos e 70.000 cristãos) e 56.000 judeus.


A Declaração Balfour era originalmente um compromisso que a Grã-Bretanha asssumia, por razões que lhe eram próprias, para com a Federação Sionista. Mas entretanto ela recebeu o aval das Principais Potências Aliadas e foi incorporada no Mandato para a Palestina, aprovado pela Liga das Nações a 24 de Julho de 1922. Com efeito, o essencial da Declaração Balfour é citado explicitamente no § 2 do preâmbulo do dito documento. É ainda reforçado no § 3, graças a dois elementos que não constavam na Declaração Balfour, isto é, a menção da ligação histórica do povo judaico com a Palestina e a ideia da reconstituição do seu lar nacional nesse país. Dos vinte e oito artigos do texto do Mandato seis têm por objecto o estabelecimento do lar nacional judaico ou medidas com ele relacionadas. O art. 2, que é o primeiro de carácter programático, começa assim: «A (Potência) Mandatária terá a responsabilidade de pôr o país em condições políticas, administrativas e económicas que assegurem/garantam o estabelecimento do lar nacional judaico (of the Jewish national home), como está estipulado no preâmbulo...». Outros cinco artigos tratam de medidas destinadas a realizar esse programa. Essas medidas dizem respeito: ao papel de conselheira de uma «Agência Judaica apropriada» nos diferentes domínios da governação (art. 4); às facilidades que devem ser concedidas aos judeus nas questões relativas à imigração, assim como no que respeita à sua instalação no país, inclusivamente nas terras do Estado ou nos baldios (art. 6); às facilidades que devem ser concedidas aos judeus na obtenção da nacionalidade (art. 7); à concessão de obras e serviços públicos à Agência Judaica (art. 11b); à imposição do hebraico como língua oficial ao lado do inglês e do árabe (art. 22), embora os judeus fossem então só um pouco mais de 11 % da população. A Palestina tinha nessa altura 757.182 habitantes, dos quais 83.794 eram judeus.


Sem excluir formalmente o objectivo normal do tipo de Mandato aplicado aos países árabes do império otomano, que era levar à plena independência a população que então os habitava, o Mandato para a Palestina tinha outro objectivo, que lhe era próprio, isto é, promover a criação de um lar nacional judaico – subentenda-se a criação de um estado judaico – com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora. O seu documento fundante não deixa dúvidas de que o objectivo prioritário do Mandato para a Palestina – para não dizer o seu verdadeiro objectivo – era criar o lar nacional judaico. É verdade que o documento também menciona as comunidades não-judaicas então existentes na Palestina e os seus direitos cívicos e religiosos – não refere os seus direitos políticos –, mas as suas menções vêm em segundo lugar e expressam-se sob a forma de ressalvas feitas às medidas destinadas a implementar o projecto sionista.


Graças ao Mandato para a Palestina, o patrocínio do projecto sionista, que era um elemento da política britânica, tornou-se política oficial da Liga das Nações. Esta não só deu ao projecto sionista a caução internacional mas forneceu-lhe também os meios para a sua realização. A Grã-Bretanha, a quem o Conselho Supremo Aliado (isto é, os vencedores da guerra) confiara o Mandato da Palestina, era sem dúvida alguma a potência mais indicada para implementar a política da Liga das Nações em relação a esse país. De facto, a administração britânica procurou cumprir fielmente enquanto pôde a missão que lhe fora confiada.


Por seu lado, as organizações sionistas aproveitaram as infra-estruturas administrativas e económicas que o Mandato pôs à sua disposição para acelerar a realização do projecto de criação do Estado judaico na Palestina. Para isso intensificaram a imigração dos judeus da Europa oriental e central, em três vagas principais: em 1919-1923, 1924-1928 e 1932-1940. Em 1931 os judeus eram 174.610 de um total de 1.035.821 habitantes da Palestina. Em 1939, já são mais de 445.000 e em 1946 atingem o número de 608.230 de um total de habitantes da Palestina respectivamente de 1.500.000 e de 1.972.560. Por outro lado, o Fundo Nacional Judaico, isto é, o fundo da Organização Sionista Mundial para a compra e o desenvolvimento da terra, intensificou a aquisição de terras. Estas tornavam-se «propriedade eterna do povo judaico», inalienável e que só podia ser arrendada a judeus. No caso das explorações agrícolas, até a mão de obra devia ser exclusivamente judaica. Por fim, os sionistas criaram em pouco tempo as principais estruturas do futuro estado, nomeadamente um exército clandestino (a Haganá).


A maneira como os vencedores da Primeira Grande Guerra decidiram o destino da Palestina, servindo-se para isso da Liga das Nações, é quase uma caricatura da duplicidade e da prepotência que não raro caracterizam as relações internacionais. De facto, há especialistas do Direito Internacional que questionam a legalidade das decisões da Liga das Nações em relação à Palestina em nome das regras que ela própria fixara. Assim, apesar de ter classificado a Palestina num grupo de nações às quais reconhecia imediatamente a independência formal e prometia a independência efectiva a curto prazo, a Liga das Nações impôs-lhe um Mandato cujo objectivo prioritário não era a instalação da administração palestiniana nacional, como previa o documento que institutiu o sistema dos Mandatos, mas, sim, a criação do «lar nacional judaico» com gente que ainda estava espalhada pelo mundo. Ora, este objectivo não só contrariava o processo de transição para a independência política efectiva da Palestina, mas era incompatível com o próprio princípio da sua independência com a população que ela então tinha, princípio esse que a Liga das Nações admitira previamente. Por outro lado, tendo nomeado a Grã-Bretanha para potência mandatária sem ter consultado os palestinianos, o Supremo Conselho Aliado não respeitou a regra fixada pelo Pacto da Liga das Nações, segundo a qual os desejos das comunidades submetidas a esse tipo de Mandato deviam ser uma consideração principal na escolha da potência mandatária (art. 22 )[7].



Mandato britânico (1922-1948)


Os palestinianos viram no patrocínio que deram primeiro a Grã-Bretanha e depois a Liga das Nações ao projecto sionista de criação do lar nacional judaico na Palestina a negação do seu direito à independência. Ora, tanto a Grã-Bretanha como a Liga das Nações, explícita ou implicitamente, não só lhes tinham reconhecido esse direito, mas também lhes tinham prometido o seu gozo pleno a curto prazo. Por isso, além do mais, os palestinianos sentiram-se defraudados. Naturalmente, opuseram-se ao projecto da criação do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro instante – logo que tiveram conhecimento da Declaração Balfour – e tentaram, por todos os meios, impedir a sua realização, pois temiam que dela resultasse a sua submissão, não só política mas também económica, aos sionistas, passando assim do domínio turco para o domínio judaico, com um intervalo britânico. Apresentaram protestos contra a Declaração Balfour à Conferência de Paz de Paris e ao Governo Britânico. A primeira manifestação popular contra o projecto sionista teve lugar a 2 de Novembro de 1918, primeiro aniversário da Declaração Balfour. Essa manifestação foi pacífica, mas a resistência depressa se tornou violenta, expressando-se em ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos sangrentos. Houve motins em 1920, durante a Conferência de San Remo que distribuiu os Mandatos, em 1921, 1929 e 1933. De um modo geral, as erupções de violência eram cada vez mais graves à medida que o Mandato se prolongava e a colonização sionista se estendia e fortalecia. Os acontecimentos desenrolavam-se segundo uma sequência que se tornou habitual. A potência mandatária respondia aos motins nomeando uma comissão real de inquérito, cujas recomendações reconheciam a legitimidade das reivindicações palestinianas e levavam a anunciar ou a esboçar tímidas medidas tendentes a satisfazê-las. Mas, dado que contrariavam o objectivo primordial do Mandato, essas medidas ficavam letra morta ou eram depressa esquecidas. E o ciclo recomeçava.


A resistência palestiniana culminou na revolta de 1936-1939. Em Abril de 1936, distúrbios locais entre árabes e judeus degeneraram numa revolta generalizada dos palestinianos. A revolta já não visava só a colonização sionista. Dirigia-se sobretudo contra as autoridades britânicas, o poder estrangeiro, de quem os palestinianos exigiam a constituição de um governo nacional. As autoridades britânicas ripostaram com uma repressão violenta e os sionistas com represálias. Os palestinianos começaram uma greve geral a 8 de Maio de 1936 coordenada pelo Alto Comité Árabe, que era composto por representantes dos principais partidos. Terminaram-na em Outubro do mesmo ano como resposta ao anúncio de mais uma comissão real de inquérito. A trégua foi de pouca dura, a revolta não tardando a recomeçar. Tendo chegado à conclusão de que os palestinianos não renunciariam à independência, os britânicos encararam em 1937 a hipótese de dividir a Palestina em dois estados, um árabe e o outro judaico. Essa solução não satisfazia nenhuma das partes. Os palestinianos não renunciavam a uma parte do seu território. Os sionistas, que viam com razão nesse plano um desvio da política oficial não só britânica mas também internacional, ainda não aceitavam a ideia de criar o estado judaico só numa parte da Palestina, o que aparentemente significaria renunciar à reivindicação da totalidade do país. A revolta palestiniana continuou e durou até 1939. Considerando inviável o plano de divisão da Palestina, os britânicos fazem marcha atrás e propõem no «Livro Branco» de 1939 a criação de um só estado para árabes e judeus, no prazo de dez anos. O mesmo documento propunha o fim da imigração judaica dentro de cinco anos e limitava a 75.000 o número de imigrantes durante esse prazo de tempo. Além disso, previa uma regulamentação estrita da compra de terras pelas organizações judaicas. Esse conjunto de medidas implicava que os árabes constituiriam um pouco mais de dois terços dos cidadãos do Estado da Palestina. O peso dos dois povos na administração do Estado seria proporcional à sua importância numérica. As autoridades mandatárias tentaram executar as recomendações do «Livro Branco» de 1939, mas sem verdadeiro êxito.


O «Livro Branco» de 1939 confirmou a viragem na política britânica já esboçada dois anos antes. Ao abandonar a ideia da criação de um estado judaico, as autoridades mandatárias romperam com a política seguida até então. Isso representava um sério revés para os sionistas. Estes tiveram que adoptar uma nova estratégia, a qual comportou três elementos principais. Promoveram a imigração ilegal, tarefa essa facilitada pelo genocídio judaico que a Alemanha nazi estava então a perpetrar na Europa central e oriental. Nessas circunstâncias a Palestina aparecia como o lugar de refúgio para os judeus europeus, sobretudo do centro e do leste. Além disso, os sionistas procuraram obter o apoio dos Estados Unidos da América (EUA) para substituir o apoio britânico. Alguns grupos armados lançaram-se numa campanha de guerrilha contra as autoridades britânicas e os árabes. Nessa altura a Haganá não era o único grupo armado judaico. Havia também o Irgun e o Stern[8], que se destacaram na guerrilha pela sua violência. Entre as numerosas acções realizadas pelo Irgun contra as autoridades britânicas, a mais conhecida é o atentado do Hotel King David em Jerusalém, onde estava instalada a administração governamental. A explosão de uma ala do edifício, no dia 22 de Julho de 1946, custou a vida a 91 pessoas, das quais 86 funcionários (britânicos, árabes e judeus). Declarando-o inviável por ter duas missões inconciliáveis, a Grã-Bretanha renunciou ao Mandato e remeteu a questão da Palestina para a sucessora da Liga das Nações, a Organização das Nações Unidas (ONU), em Fevereiro de 1947. A 29 de Novembro de 1947 a Assembleia Geral da ONU, retomando uma ideia que já tinha sido proposta dez anos antes, aprovou a resolução 181 que recomendava a divisão da Palestina em dois estados, um judaico e o outro árabe. Os dois estados estariam unidos do ponto de vista económico. Jerusalém (incluindo Belém) não pertenceria a nenhum dos estados, mas formaria um corpus separatum sob a jurisdição da ONU. Passados dez anos haveria um referendo entre os habitantes da cidade sobre o seu regime. O plano deveria entrar em vigor dois meses depois do fim do Mandato que a Grã-Bretanha fixou para o dia 15 de Maio de 1948.



A criação do Estado de Israel (14 de Maio de 1948)
e suas consequências para o povo palestiniano


Como já o tinham feito em 1937 e pelas mesmas razões, os palestinianos opuseram uma recusa formal ao plano de divisão. De facto, a ONU mostrou-se incapaz de o aplicar. Não se tendo previsto nada para substituir as forças britânicas, a sua retirada deixou os árabes e os judeus frente a frente. Os judeus asseguraram as posições dentro dos territórios que o plano da ONU lhes concedia e procuraram ocupar outros. A 14 de Maio de 1948, véspera do fim do Mandato e da retirada das últimas forças britânicas, os judeus proclamaram o Estado de Israel. A partir do dia 15 a guerra alargou-se com a entrada na Palestina de uma coligação de forças regulares transjordanas, egípcias e sírias, ajudadas por contingentes libaneses e iraquianos.


Israel tinha já em 1948 uma enorme vantagem sobre a coligação árabe. O seu exército era mais numeroso, estava melhor treinado e melhor equipado. Além disso, Israel tinha o apoio das grandes potências e a simpatia da opinião pública ocidental. Os combates cessaram praticamente no dia 7 de Janeiro de 1949, graças à intervenção da ONU. Entre 23 de Fevereiro e 20 de Julho desse mesmo ano, os países árabes implicados na guerra, excepto o Iraque, assinaram armistícios com Israel. Os territórios ocupados por Israel no fim da guerra constituiam cerca de 78 % da Palestina. Tornaram-se, de facto, o território do Estado de Israel. Ficaram fora dele a cadeia de baixas montanhas do centro e do sul da Palestina, a chamada Cisjordânia, assim como a Faixa de Gaza. Jerusalém ficou dividida: a parte oeste da cidade extra-muros ficou do lado de Israel; a cidade antiga e o bairro extramuros a norte ficaram do lado árabe. Israel declarou Jerusalém sua capital, decisão essa ignorada pela comunidade internacional, pois ia contra a Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU de 1947, que recomendava a internacionalização da cidade. No dia 11 de Maio de 1949, o Estado de Israel foi admitido na ONU. A 24 de Abril de 1950, a Cisjordânia com a parte de Jerusalém sob domínio árabe foi anexada à Transjordânia, que passou a chamar-se Reino Hachemita da Jordânia. A Faixa de Gaza ficou sob administração militar egípcia.


Entre setecentos a novecentos mil palestinianos do que se tornou o território de Israel, isto é, a esmagadora maioria da sua população autóctone, encontraram-se na situação de refugiados. Uns fugiram de suas casas aterrorizados ao aproximarem-se as forças judaicas. O pânico que se abateu sobre a população palestiniana foi criado em boa parte pelos massacres cometidos pelas forças judaicas em vários pontos do país. O mais conhecido é o de Der Yassin, que era então uma aldeia na vizinhança de Jerusalém. As suas terras estão hoje ocupadas por Giveat Chaul, um bairro da cidade. A 9 de Abril de 1948, um comando do Irgun e do Stern entrou em Der Yassin e massacrou mais de cem pessoas, homens, mulheres e crianças. A notícia desse massacre provocou a fuga de cerca de 100.000 pessoas da região de Jerusalém. Outros palestinianos foram expulsos à força. Entre os vários casos conhecidos, os de maiores proporções tiveram lugar em Lida (a actual cidade de Lod) e Ramlé. Uma escaramuça com tropas árabes ocorrida no dia 12 de Julho de 1948 serviu de pretexto ao exército de Israel para uma violenta repressão que custou a vida a 250 pessoas, algumas das quais eram prisioneiros desarmados, assim como para a expulsão de cerca de 70.000 pessoas, algumas das quais já eram refugiadas. A ordem de expulsão foi dada pelo próprio Primeiro-Ministro, David ben Gurion. Os seus executores foram Igal Alon e Isaac Rabin. A Galileia foi a região do território de Israel onde ficaram mais palestinianos. As zonas de maior densidade populacional palestiniana ficaram sob administração militar até 8 de Dezembro de 1966.


A 11 de Dezembro de 1948 a ONU aprovou a resolução 194 que reconhece aos refugiados palestinianos o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indemnizados, se assim o preferirem. Apesar de o preâmbulo da resolução que o admitiu na ONU mencionar explicitamente a aplicação desta resolução, Israel recusou-se e continua a recusar-se a aplicá-la. Apressando-se a arrasar as aldeias palestinianas que tinham sido esvaziadas dos seus habitantes (o número habitualmente avançado é de cerca de 500 localidades) e distribuindo as suas terras aos imigrantes judeus, Israel tornou impossível o regresso de uma boa parte dos refugiados aos seus lares. A esmagadora maioria dos refugiados amontoou-se em acampamentos na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, na Síria e no Líbano. No dia 1 de Maio de 1950 a ONU criou a UNRWA, a agência internacional que se ocupa deles.


Desde a criação do Estado de Israel, o conflito que o opõe aos palestinianos tem sido o epicentro de um conflito entre Israel e o conjunto dos países árabes, com fortes repercussões mundiais. Esse conflito foi, em particular, a causa, ou pelo menos a ocasião, da emigração da maioria esmagadora dos judeus dos países árabes para a Palestina/Israel a partir dos últimos anos da década de 1940. As circunstâncias variaram ligeiramente segundo os países. De um modo geral, pode dizer-se que uns emigraram por causa da hostilidade de que o conflito os tornou alvos nos seus respectivos países e os outros foram «puxados» ou «empurrados» por Israel, desejoso de multiplicar o mais rapidamente possível a sua população judaica por razões nacionalistas, militares e económicas, repovoando assim o território que havia sido praticamente esvaziado da sua população palestiniana. De facto, os «judeus orientais» depressa se tornaram maioritários em Israel, mas o aparelho de estado e o poder económico ficaram bem firmes nas mãos dos askenazes. A importância numérica entre os dois grupos mudou entretanto a favor dos askenazes com os numerosos imigrantes vindos, nas últimas décadas, das repúblicas soviéticas, antes e depois da dissolução da União Soviética.



A guerra de 1967 e as suas consequências


Desde o fim da Guerra de Suez, em 1956, forças internacionais separavam os exércitos de Israel e do Egipto e garantiam a liberdade de navegação no Golfo de Akabá. A 19 de Maio de 1967, o Secretário-Geral da ONU, U Thant, decidiu retirá-las, a pedido do Presidente do Egipto Gamal Nasser. No dia 22 de Maio, G. Nasser fechou o Golfo de Akabá aos barcos israelenses. Israel ripostou no dia 5 de Junho com uma guerra-relâmpago durante a qual ocupou toda a Península do Sinai (egípcia), a Faixa de Gaza (sob administração militar egípcia), a Cisjordânia juntamente com Jerusalém Oriental (anexadas pela Jordânia em 1950) e o Planalto do Golã (sírio). Israel anexou a parte de Jerusalém recém-ocupada.


A chamada «Guerra dos Seis Dias» fez mais refugiados palestinianos, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, alguns dos quais o eram pela segunda vez. Calcula-se que o seu número foi superior a 50.000. A maioria foi para a Jordânia. Os restantes foram para o Egipto, a Síria e outros países.


No dia 22 de Novembro de 1967, o Conselho de segurança da ONU aprovou a resolução 242 que se propunha formular os termos para uma paz justa e duradoura no Próximo Oriente, baseada no respeito pelos princípios da Carta da ONU e na inadmissibilidade da aquisição de territórios pela guerra. A resolução ordena a retirada das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no recente conflito[9] em troca do reconhecimento pelos estados árabes do Estado de Israel dentro das linhas do armistício de 1949. Além disso, a resolução ressalta a necessidade de garantir a liberdade de navegação através das águas internacionais da área e de dar uma solução justa ao problema dos refugiados. Longe de se retirar dos territórios recentemente ocupados, como exigia a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, Israel começou logo a colonizá-los com cidadãos seus.


De 1967 a 1995


A história do conflito israelo-palestiniano desde 1967 é um rosário de planos de paz abortados, de esperanças frustradas e, como nos períodos anteriores, de violência, sangue, destruição e lágrimas. Referiremos só, rapidamente, os factos, os acontecimentos e as datas que nos parecem mais marcantes e susceptíveis de ajudar a compreender a situação actual.


Começaremos por assinalar uma mudança nos papéis desempenhados pelos intervenientes no conflito. A anexação da Cisjordânia pela Jordânia em 1950 e a passagem da Faixa de Gaza para a tutela do Egipto levaram a uma espécie de eclipse do povo palestiniano. A situação mudou a partir de 1967. O povo palestiniano voltou a tomar em mãos o seu destino. Por mais que se tenha esforçado por negar a sua existência, Israel teve finalmente que reconhecer o povo palestiniano não só como povo, mas também como «interlocutor/inimigo» inevitável. Incarnou as aspirações nacionais palestinianas a Organização de Libertação da Palestina (OLP), uma coligação de partidos ou grupos que havia sido criada em Jerusalém, em 1964. Tal como foi formulada em 1968, a Carta da OLP, na linha do que sempre fora a política palestiniana, propunha-se como objectivo a criação do Estado da Palestina em todo o território nacional. Isso implicava o desaparecimento do Estado de Israel. A carta da OLP considerava os judeus que viviam na Palestina antes da «invasão sionista» como palestinianos com pleno direito à cidadania, como os demais habitantes: muçulmanos, cristãos e de outras religiões ou etnias.


A chefia da OLP esteve na Jordânia até 1971. Derrotada no conflito armado que a opôs ao Governo Jordano (Fevereiro e Setembro de 1970), a OLP foi expulsa desse país em 1971, instalando-se então no Líbano. Na sequência desses acontecimentos, alguns grupos palestinianos, que se apelidaram «Setembro Negro», lançaram-se numa campanha de guerrilha internacional, cujas acções mais espectaculares foram os numerosos desvios de aviões comerciais e o atentado contra os atletas israelenses que participavam nos Jogos Olímpicos de Munique a 5-6 de Setembro de 1972.


No dia 6 de Outubro de 1973, o Egipto e a Síria tentaram, em vão, reconquistar militarmente cada qual os territórios conquistados por Israel em 1967. No dia 22 do mesmo mês, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 338 que reafirma a validade da Resolução 242 e apela para um cessar-fogo e para negociações com vistas a «instaurar uma paz justa e duradoura no Próximo Oriente». Os combates cessaram três dias mais tarde.


No mês seguinte, a Liga Árabe, reunida na Cimeira de Argel (26-28 de Novembro de 1973), declarou a OLP único representante do povo palestiniano. Desde 1970 a Assembleia Geral da ONU afirmava regularmente o direito do povo palestiniano à auto-determinação. No dia 13 de Novembro de 1974, Yasser Arafat fez um discurso na Assembleia Geral da ONU. Esta reconheceu aos palestinianos o direito à independência e concedeu à OLP o estatuto de observador. A ideia da criação do Estado da Palestina só em parte do território nacional, já abordada em Junho de 1974, foi aceite no 13º Conselho Nacional Palestiniano, de 12-20 de Março de 1977.


No dia 17 de Setembro de 1978, foram assinados os acordos de Camp David entre o Egipto, Israel e os EUA. Israel devolveu o Sinai ao Egipto. Paralelamente à retirada do Sinai, que terminou a 25 de Abril de 1982, Israel intensificou a colonização da Cisjordânia e do Golã. Em conformidade com os acordos de Camp David, o Egipto e Israel começaram, a 25 de Maio de 1979, negociações sobre um estatuto de autonomia para os palestinianos da Cisjordânia e de Gaza, não escondendo Israel a intenção de anexar esses territórios no termo dos cinco anos previstos para a autonomia.


No dia 6 de Junho de 1982, Israel invadiu o Líbano com a intenção declarada de expulsar de lá a OLP. Nos termos de um cessar-fogo negociado sob a égide dos EUA, as forças da OLP foram evacuadas do Líbano entre 10 e 13 de Setembro desse ano, mudando-se a sua chefia para Tunes. Foi então que se deram os massacres de Sabra e de Chatila. Nos dias 15-16, o exército de Israel ocupou a parte ocidental de Beirute. No dia 16, as Forças Libanesas (milícias cristãs aliadas de Israel) entraram nos campos de refugiados palestinianos de Sabra e de Chatila e mataram homens, mulheres e crianças. Os soldados israelenses que cercavam os campos assistiram aos massacres sem intervir. Segundo a comissão de inquérito oficial israelense houve 800 mortos; segundo a OLP, terá havido 1500. A dita comissão israelense concluiu que Ariel Charon, então Ministro da Defesa, foi indirectamente responsável pelo sucedido.


No dia 9 de Dezembro de 1987 rebentou a primeira Intifada (insurreição) em Gaza e na Cisjordânia contra a ocupação.


No dia 31 de Julho de 1988, o rei Hussein da Jordânia anunciou oficialmente que rompia «os vínculos legais e administrativos» do seu país com a Cisjordânia, renunciando à pretensão de soberania sobre esse território que havia sido anexado pelo seu avô em 1950.


No 19º Conselho Nacional Palestiniano, reunido em Argel, a OLP proclama o Estado de Palestina no dia 15 de Novembro de 1988, aceita as resoluções do Conselho de Segurança da ONU 181, 242 e 338 e reafirma a condenação do terrorismo.


Na sequência da chamada «Guerra do Golfo», houve a Conferência Internacional de Madrid (inaugurada no dia 30 de Outubro de 1991) e as primeiras negociações bilaterais entre Israel e três dos seus vizinhos árabes (Jordânia, Síria e Líbano). Os palestinianos ainda não tiveram a sua delegação própria. Fizeram parte da delegação jordana.


Negociações secretas entre israelenses e palestinianos tidas em Oslo, no Inverno de 1992-1993, levaram finalmente ao reconhecimento entre Israel e a OLP a 9 de Setembro de 1993. A 13 do mesmo mês Yasser Arafat e Isaac Rabin assinaram em Washington a «Declaração de Princípios sobre as Disposições Interinas de “Auto-Governo”». A dita declaração determinava a entrega de parte da Cisjordânia e da Faixa de Gaza aos palestinianos, entrega essa concebida como a primeira etapa de um processo que deveria desembocar, no prazo de cinco anos, na solução do conflito que opõe os palestinianos e os sionistas/israelenses desde há quase um século. De facto, Y. Arafat entrou em Gaza no dia 1 de Julho de 1994 e o exército de Israel terminou a retirada das cidades palestinianas, excepto de Hebron, em Dezembro de 1995. Os palestinianos viram nesse facto o começo da realização do sonho de um estado palestiniano independente, embora só em cerca de um quinto da sua pátria e dividido em duas partes (Cisjordânia e Faixa de Gaza), separadas pelo território de Israel. Incluindo Jerusalém Oriental, a Cisjordânia tem uns 5.850 km2. A Faixa de Gaza tem uns 365 km2.



Desde 1995


No dia 23 de Outubro de 1998, Israel e a Autoridade Palestiniana assinaram o memorando de Wye River que previa a entrega à Autoridade Palestiniana de mais 13 % do território da Cisjordânia no prazo de três meses, mas passados menos de dois meses, a 18 de Dezembro, Israel suspendeu a sua aplicação.


No dia 4 de Maio de 1999 terminou o período da autonomia palestiniana previsto na «Declaração de Princípios». Sob a instigação do Presidente dos EUA William Clinton, Y. Arafat e Ehud Barak assinaram, no dia 4 de Setembro do mesmo ano, o memorando de Charm ech-Cheikh, que redefinia o calendário para a aplicação do memorando de Wye River e, além disso, estipulava a abertura de dois corredores seguros entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, a libertação de mais um grupo de prisioneiros palestinianos e o começo das negociações sobre todas as questões ainda em suspenso. Tudo isso ficou letra morta. W. Clinton convocou de novo Y. Arafat e E. Barak com os quais se reuniu em Camp David de 11 a 24 de Julho. As negociações avançaram, mas não se chegou a um acordo. Seguiram-se ainda outras tentativas de negociações instigadas igualmente por W. Clinton, prestes a terminar o seu mandato. A última dessas tentativas teve lugar em Taba (Egipto) de 21-27 de Janeiro de 2001, dias antes de os israelenses escolherem A. Charon para seu primeiro-ministro em vez de E. Barak.


Resumindo, os acordos de Oslo não criaram a dinâmica de paz que deles se esperava. Praticamente não se foi além da aplicação do que se previa que fosse só a sua primeira fase. É verdade que Israel se retirou das oito zonas urbanas da Cisjordânia e de cerca de 80 % da Faixa de Gaza, deixando assim a maioria esmagadora dos palestinianos sob a jurisdição exclusiva da Autoridade Palestiniana[10]. Repare-se, no entanto, que as oito zonas urbanas da Cisjordânia são ilhas num mar israelense[11]. Não havendo contiguidade territorial entre elas, estão isoladas umas das outras. Em condições «normais», essa situação entrava seriamente a circulação de pessoas e bens e, por conseguinte, todas as actividades, nomeadamente a actividade económica, dos palestinianos. Em situações de «crise», ela permite ao exército israelense reocupar em poucos minutos, e com poucos meios (uns quantos tanques e buldózeres), as cidades palestinianas ou sitiá-las, encarcerando nelas os seus habitantes. Pelo contrário, os colonos israelenses continuaram a evoluir à vontade num espaço aberto, dispondo para isso de uma moderna rede rodoviária própria, que não só lhes permite circular na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas também os liga ao território de Israel. Longe de parar, como deveria ter acontecido em conformidade com o espírito do «processo de Oslo», a colonização, sobretudo da Cisjordânia, intensificou-se. Cresceram os colonatos já existentes e criaram-se outros novos. Para esse efeito, confiscaram-se mais terras. Isto e o não-cumprimento por parte de Israel de outros acordos levaram os palestinianos a perder a confiança no «processo de Oslo». A frustração, à altura da imensa esperança que o dito processo havia suscitado, levou os palestinianos à beira da explosão. A visita de A. Charon, então chefe da oposição israelense, à Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, no dia 28 de Setembro de 2000, serviu de rastilho. O horror do que desde então se passa na Palestina tem ecoado ruidosamente em todo o mundo dia após dia, graças aos meios de comunicação social.



ALGUMAS CONCLUSÕES E REFLEXÕES


Para terminar, algumas conclusões e reflexões. Começaremos por um apanhado dos pontos de divergência fundamentais que existem actualmente entre a Autoridade Palestiniana e Israel.


1 – A questão dos refugiados. Israel recusa-se a aplicar a Resolução 194. Aprovada pela Assembleia Geral da ONU a 11 de Dezembro de 1948 e reafirmada todos os anos, essa resolução reconhece aos refugiados o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indemnizados, se assim o preferirem. Israel nega-se até a reconhecer a sua responsabilidade moral e legal pela existência dos refugiados. Durante décadas «legitimou» essa recusa dizendo que os palestinianos abandonaram as suas casas por ordem dos países/exércitos árabes, que lhes teriam prometido o regresso dentro de pouco tempo. Ora, os estudos dos chamados «novos historiadores» israelenses da última década confirmaram o que os historiadores palestinianos sempre disseram e os bons conhecedores da questão sabiam há muito, para não falar das vítimas: Essa versão da origem do problema dos refugiados palestinianos é uma invenção da propaganda israelense. Por isso, Israel funda agora abertamente a recusa do regresso dos refugiados no que é, e sempre foi, a verdadeira razão: O regresso dos refugiados mudaria a composição étnica de Israel, que se «arriscaria» a deixar de ser um estado maioritariamente judaico. Ora, foi precisamente para evitar esse «perigo» que Israel expulsou muitos dos refugiados de suas casas.


Os refugiados palestinianos são, de facto, muito numerosos. A 30 de Junho de 1999, a UNRWA recenseava 3.600.000. Não entram nesse número os que se tornaram refugiados em 1967 (mais de 50.000) e os seus descendentes. Sabe-se que existem mais umas centenas de milhar de palestinianos que foram deslocados e não constam nas listas da UNRWA.


2 – Jerusalém Oriental. A parte oriental de Jerusalém foi conquistada em 1967. O plano da internacionalização de Jerusalém (na sua totalidade, indo até Belém) tendo sido aparentemente abandonado, a parte oriental da cidade é um dos territórios ocupados em 1967, que a Resolução 242 do Conselho de Segurança ordena devolver. O facto de Israel a ter anexado e de lhe ter alargado as fronteiras não muda de forma alguma o seu estatuto do ponto de vista da legalidade internacional. Essas medidas foram aliás declaradas nulas repetidas vezes pelas instâncias da ONU. No que se pode considerar um gesto de boa vontade, a Autoridade Palestiniana aceita ceder a Israel a soberania sobre partes de Jerusalém Oriental, nomeadamente o chamado «Muro das Lamentações», o único vestígio das construções ligadas ao templo judaico que se conhece[12]. Por ser o lugar do antigo templo judaico, do qual nada é visível, Israel opõe-se à soberania palestiniana sobre a Esplanada das Mesquitas, a qual com o santuário do Domo do Rochedo e a Mesquita de El-Aqsa, bem visíveis, é o terceiro lugar santo do islão.


3 – Colonatos. No decurso dos 35 anos de ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, Israel criou mais de duas centenas de colonatos sobretudo na Cisjordânia. Para esse efeito, apoderou-se de todos os recursos hídricos e da maioria das terras da Cisjordânia: umas declarou-as baldias e as outras, nomeadamente as que pertenciam aos refugiados ou a outras pessoas ausentes em 1967, confiscou-as. Calcula-se que há hoje 200.000 israelenses a viver na Cisjordânia e outros tantos em Jerusalém Oriental, ao lado de cerca de 2.000.000 de palestinianos. Na Faixa de Gaza há 6.900 israelenses, que dispõem de cerca de 20 % do território, ao lado de cerca de 1.200.000 palestinianos, dos quais cerca de 70% são refugiados. 33 % dos palestinianos da Faixa de Gaza vivem nos campos de refugiados administrados pela UNRWA. Sobrepovoadíssima, a Faixa de Gaza é um dos territórios do mundo com maior densidade demográfica.


A instalação de cidadãos civis do estado ocupante num território ocupado é explicitamente proibida pela IV Convenção de Genebra relativa à Protecção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra que Israel assinou. Por isso, a colonização israelense de Jerusalém Oriental e dos demais territórios ocupados foi muitas vezes declarada ilegal pelas instâncias da ONU (Conselho de Segurança e Assembleia Geral). Nas mesmas ocasiões as ditas instâncias internacionais exortaram Israel a anular todas as medidas tomadas no sentido da colonização dos territórios ocupados.


Para terminar, assinalamos algumas imagens correntes do conflito israelo-palestiniano que deformam completamente a realidade.


1 - Embora haja uma imensa admiração pelas proezas de Israel, nomeadamente pelas suas façanhas militares, tende-se não raro a pensar que as partes envolvidas no conflito israelo-palestiniano têm forças mais ou menos iguais. Ora, isso é inteiramente falso. Israel é uma grande potência militar não só a nível regional, mas também a nível mundial. Tem um dos exércitos mais poderosos do mundo. Tem também um poder económico apreciável. Além disso, seja qual for o seu governo ou a política seguida, tem disposto e continua a dispôr, incondicionalmente, do apoio económico, diplomático e político dos EUA, seja qual for o partido da sua administração. Ora, como se sabe, os EUA são actualmente a única superpotência e agem como donos incontestados do mundo. Pelo contrário, os palestinianos são na sua maioria um povo de refugiados sem nada que se compare, nem de muito longe, com os trunfos de Israel. Aliás, a incipiente infra-estrutura económica palestiniana foi em grande parte destruída por Israel nos últimos meses. Dada a imensa desigualdade das forças, é quase impossível que haja autênticas negociações entre as duas partes. De facto, Israel tem agido e continua a agir como quem quer, pode e manda, com a certeza de que os palestinianos terão de acabar mais uma vez por vergar a espinha e aceitar as suas condições, apanhar as migalhas que eles se dignam atirar-lhes. Longe de reconhecer a imensa injustiça que cometeu e continua a cometer para com os palestinianos, Israel tem agido e age para com eles com uma prepotência e uma arrogância imensas, particularmente chocantes porque vindas de pessoas que sabem, ou deviam saber, melhor do que ninguém o que é ser vítima da injustiça. Esse comportamento tem provocado e provoca cada vez mais uma humilhação indizível nos palestinianos. Do ponto de vista humano, é porventura isso o que mais profundamente os fere.


A desproporção abissal entre as forças em presença explica a diferença na natureza das armas usadas e nas formas de combate adoptadas por cada uma das partes, deitando cada uma mãos dos meios de que dispõe. À desproporção nas forças em presença corresponde naturalmente a desproporção na grandeza da violência e do terror semeados por cada uma das partes, no número de vidas destruídas e na importância dos danos materiais causados.


2 - Não é raro que os meios de comunicação social apresentem os palestinianos como os iniciadores do conflito que os opõe a Israel, isto é, os agressores. Ora, isso é pôr a realidade do avesso. Na melhor das hipóteses, os meios de comunicação social apresentam as duas partes como se estivessem num pé de igualdade do ponto de vista jurídico e moral. Ora, isso é falso. Dêm-se-lhe as voltas que se quiser, o facto insofismável é que Israel é o ocupante e os palestinianos são os ocupados. Israel é o opressor e os palestinianos são os oprimidos. Os palestinianos lutam para se libertar da ocupação e da opressão. Israel luta para perpetuar a ocupação e a opressão. Os palestinianos, autóctones da Palestina, não invadiram a terra de niguém, não colonizaram ninguém. Foram, sim, as vítimas de um processo de colonização clássico, do qual, em última análise, as potências europeias vencedoras da Primeira Grande Guerra – a Grã-Bretanha em primeiro lugar –, assim como os EUA são em grande parte os responsáveis. Como costuma repetir o Patriarca Latino de Jerusalém Monsenhor Michel Sabbah, a ocupação israelense é, no caso presente, a violência fundamental. É ela que engendra as outras violências de que tanto se tem falado nestes últimos tempos. Ao reconhecerem o Estado de Israel aquando dos acordos de Oslo, os palestinianos renunciaram aos cerca de 78 % da sua pátria de que o dito Estado os despojou em 1948-1949. A única coisa que reclamam é a devolução dos cerca de 22 % da Palestina que Israel conquistou em 1967 para neles criarem o seu estado, ao lado do Estado de Israel. Assiste-os em toda a linha a legalidade internacional, cuja aplicação não fazem senão exigir. Não deve esquecer-se que a dita legalidade internacional, na realidade, consagrou em boa parte factos consumados impostos pela força, que sempre beneficiaram os israelenses e lesaram os palestinianos. A criação de um estado árabe ao lado de um estado judaico na Palestina foi recomendada pela resolução 181 da Assembleia Geral da ONU de 29 de Novembro de 1947. Repare-se que a ONU atribuia ao estado árabe 43 % do território, não os 22 % que os palestinianos hoje reclamam. A justiça mais elementar exige que os refugiados palestinianos possam regressar a suas casas, se assim o desejarem, ou sejam indemnizados pelo que perderam. Foi isso mesmo o que ordenou a Resolução 194 do Conselho de Segurança da ONU de 1948, Resolução essa que tem sido reafirmada pelas instâncias da mesma organização internacional dezenas de vezes. A retirada de Israel da Cisjordânia/Jerusalém Oriental e da Faixa de Gaza foi ordenada pela resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU de 1967.


Teoricamente, essas decisões da ONU deveriam ser executadas pura e simplesmente, sem regateios. As negociações, caso as houvesse, normalmente deveriam ter só por objecto as questões práticas relativas à execução das ditas decisões. Claro que quando há boa vontade, em particular, no mundo mediterrânico, são sempre possíveis acomodamentos e arranjos.


Entre os inumeráveis conflitos que ensanguentaram e ensanguentam o mundo no último século, o que opõe israelenses e palestinianos é um dos mais duradouros e, sem dúvida, o que mais eco encontra no mundo, pelo menos no mundo que é herdeiro da tradição bíblica por intermédio do cristianismo, do islão e do judaísmo. Os simples cidadãos que somos, com maior razão se não somos nem israelenses nem palestinianos, sentimo-nos completamente impotentes perante ele. Há uma coisa que podemos fazer, porventura a única. É oferecer a nossa simpatia e a nossa solidariedade não aos que querem eternizar a injustiça, mas àqueles, israelenses e palestinianos, que procuram pôr-lhe fim, pelo menos na medida em que isso ainda é possível.

LISBOA - 2002 - PORTUGAL



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[1] Usamos palestinense em relação com a Palestina antiga, palestiniano em relação com a Palestina moderna.


[2] Adopção da língua árabe, da forma árabe dos nomes pessoais e da era da Hégira.


[3] Nasceu em Budapeste, mas passou a maior parte da vida em Viena.


[4] Askenaze qualificou primeiro o judaísmo da Alemanha com as suas tradições próprias, estendendo-se depois ao judaísmo de toda a Europa central e oriental. O termo designa de maneira genérica os judeus da Europa central e oriental ou de lá originários.


[5] Sefardita no sentido próprio qualifica os judeus da península ibérica e os seus descendentes. Depois da sua expulsão, os judeus ibéricos dispersaram-se sobretudo nos países mediterrânicos, mas também nos Países Baixos, na Grã-Bretanha e, finalmente, nas Américas. Na linguagem corrente, a palavra sefardita aplica-se frequentemente, de maneira inadequada, a todos os judeus não askenazes. Como a sua grande maioria vivia nos países mediterrânicos e nos países árabo-muçulmanos do Próximo e Médio Oriente (Iraque, Iémen, Irão, etc.), os judeus não-askenazes também são muitas vezes chamados «judeus orientais».


[6] Distinguindo entre o antigo Reino de Israel e o Estado de Israel moderno, usamos, como fazem as outras línguas ocidentais, dois nomes de nacionalidade diferentes, respectivamente israelita e israelense.


[7] O que mais se pareceu com uma consulta dos palestinianos foi a chamada Comissão King-Crane. Os norte-americanos Henry C. King e Charles R. Crane efectuaram de facto uma missão na Palestina e consultaram os seus habitantes em Junho-Julho de 1919. No seu relatório, King e Crane recomendaram profundas modificações no projecto sionista, mas a Grã-Bretanha e a França, que haviam boicotado a missão, não fizeram caso dessas recomendações.


[8] Menahem Beguin e Isaac Chamir, que serão mais tarde primeiros-ministros de Israel, estiveram ligados a estes grupos. O primeiro dirigiu o Irgun a partir de Dezembro de 1943. O segundo foi um dos chefes do Stern.


[9] Há uma divergência subtil entre os textos inglês e francês da resolução, ambos oficiais. O primeiro fala “dos territórios” (“des territoires”) e o segundo “de territórios” (“from territories”). Israel só tem em conta a versão inglesa que lhe permitiria eventualmente guardar parte dos territórios conquistados en 1967. Afirmando a inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra sem qualquer restrição, o segundo considerando da resolução parece excluir tal interpretação.


[10] Esses territórios, sobretudo o da Cisjordânia, foram divididos, de forma complicadíssima, em três zonas: A (com administração palestiniana exclusiva), B (com administração civil palestiniana e ocupação militar israelense) e C (administração israelense exclusiva).


[11] Na Cisjordânia, a zona A representa 17.2% do território, a zona B 23.8% e a zona C 59%. Os mapas da Cisjordânia onde figuram estas divisões são com frequência comparados à pele de um leopardo.


[12] A ironia do destino quer que essas construções tenham sido obra do idumeu Herodes Magno.







A PALESTINA
Dados históricos para a compreensão da situação actual
e algumas reflexões
Comissão Justiça e Paz CNIR/FNIRF





INTRODUÇÃO


Palestina é o nome do território situado entre o Mediterrâneo a oeste, o rio Jordão e o Mar Morto a este, a chamada Escada de Tiro a norte (Ras en-Naqura/Roch ha-Niqra, fronteira com o Líbano) e o Wadi el-Ariche a sul (fronteira com o Sinai, tradicionalmente egípcio). Com 27.000 km2, a Palestina é formada, de um modo geral, por uma planície costeira, uma faixa de colinas e uma cadeia de baixas montanhas cuja vertente oriental é mais ou menos desértica.


A Palestina foi habitada desde os tempos pré-históricos mais remotos. A sua história esteve geralmente ligada à história da Fenícia, da Síria e da Transjordânia, limítrofes. Talvez por causa da sua situação geográfica – faz parte do corredor entre a África e a Ásia e ao mesmo tempo fica às portas da Europa –, a Palestina nunca foi sede de um poder que se estendesse para além das suas fronteiras. Pelo contrário, esteve quase sempre submetida a poderes estrangeiros, sediados na África, na Ásia ou na Europa. Em regra geral, foi só sob as potências estrangeiras que ela teve alguma unidade política.



DE FINS DO II MILÉNIO A. C. A MEADOS DO SÉCULO XIX


Para melhor compreender a situação actual da Palestina, convém fazer um esboço da sua história a partir do II milénio a. C. A Palestina esteve organizada em cidades-estado sob a hegemonia egípcia durante uma boa parte do II milénio. A situação mudou nos últimos séculos desse milénio. Chegaram então à Palestina sucessivas vagas de imigrantes ou invasores vindos do norte e do noroeste, das ilhas ou do outro lado do Mediterrâneo. Os historiadores costumam designá-los com a expressão Povos do Mar. Esses povos parecem ter-se fixado sobretudo ao longo da costa. Os mais conhecidos entre eles são os Filisteus que se fixaram sobretudo no sudoeste (costa, oeste do Neguev e Chefela). Aí fundaram vários pequenos reinos (Gaza, Asdod, Ascalão, Gat e Ekron). Paralelamente aos reinos filisteus, constituiram-se primeiro o reino de Israel no norte da Palestina e depois o reino de Judá, mais pequeno, na zona de baixas montanhas do sul. Durante a maior parte da sua existência, Israel teve como capital Samaria. Hebron foi a primeira capital de Judá, mas depressa cedeu o lugar a Jerusalém.


Entre os antigos povos da Palestina, os Filisteus foram porventura os que maior influência exerceram até aos últimos séculos da era pré-cristã. Com efeito, não deve ter sido por acaso que o seu nome foi dado a toda a região, a Palestina, isto é, o país dos Filisteus. Com o sentido que se tornou habitual, o nome está já documentado nas Histórias do grego Heródoto em meados do séc. V a. C. Apesar da sua importância na antiguidade, conhecem-se muito mal os Filisteus e a história dos seus reinos. A razão óbvia dessa ignorância é a inexistência de uma biblioteca ou de bibliotecas filisteias comparáveis ao Antigo Testamento. Praticamente tudo o que se sabe ou se pensa saber sobre os Filisteus se baseia nos escritos bíblicos. Por conseguinte, a posteridade só conhece os Filisteus na medida em que eles estão em relação com Israel, com Judá ou com os judeus. Além disso, vê-os através dos olhos daqueles que foram os seus concorrentes, não raro os seus inimigos declarados. De facto, a posteridade, de maneira geral, não se interessa pelos Filisteus nem os estuda por si mesmos, mas só por causa da sua relação com a história bíblica. Tudo isso deformou a visão que se tem deles, do lugar que ocuparam e do papel que desempenharam, aparecendo os Filisteus como um elemento marginal na história da Palestina antiga. Esse erro de perspectiva influencia sem dúvida alguma a visão corrente que se tem da actual Palestina, da sua composição étnica e da sua situação política.


Os vários reinos palestinenses[1], filisteus e hebraicos, coexistiram durante séculos. Ora guerrearam entre si ora se aliaram para sacudir o jugo da grande potência do momento. A primeira vítima desse jogo foi Israel, conquistado e anexado pela Assíria em 722 a. C. Desde então até 1948 não houve nenhuma entidade política chamada Israel. Os reinos filisteus e o reino de Judá continuaram a existir sob a dependência da Assíria, a grande potência regional entre o séc. IX e fins do séc. VII a. C., cujo território nacional se situava no norte da Mesopotâmia, no actual Iraque.


No fim do séc. VII a. C., o Egipto e a Babilónia, a outra grande potência mesopotâmica, com a sede no sul do Iraque actual, disputaram-se os despojos do império assírio. Tendo a Babilónia levado a melhor, a Palestina ficou-lhe submetida durante cerca de oito décadas. De um modo geral, as histórias, focadas como estão em Judá, falam só da conquista desse reino por Nabucodonosor, da deportação para a Babilónia de parte da sua população, da destruição de várias das suas cidades, nomeadamente de Jerusalém com o templo de Iavé (597 e 587 a. C.). Deve no entanto reparar-se que os reinos filisteus de Ascalão e de Ekron, conquistados por Nabucodonosor respectivamente em 604 e em 603, tiveram um destino semelhante.


Em 539 a. C. a Palestina passou com o resto do império babilónico para as mãos dos Persas Aqueménidas. Sabe-se que estes entregaram a administração do território de Judá, pelo menos de parte dele, a membros da comunidade judaica da Babilónia. Em 331 a Palestina foi conquistada pelo macedónio Alexandre Magno. Após a morte deste, ficou primeiro sob o domínio dos Lágidas ou Ptolomeus que tinham a capital em Alexandria, no Egipto (320-220 a. C.). Depois passou para a posse dos Selêucidas sediados em Antioquia, na Síria (220-142 a. C.). Entre 142-63 a. C, os Asmoneus, uma dinastia judaica, com Jerusalém como capital, conseguiu não só libertar-se do poder selêucida, mas até impôr o seu domínio praticamente em toda a Palestina, inclusivamente nos territórios filisteus. Nessa altura a grande maioria dos judeus já vivia fora da Palestina, encontrando-se dispersos em todo o Próximo Oriente. A dispersão deveu-se sobretudo à emigração e, numa medida de longe muito menor, às deportações de 597-587. Os principais centros judaicos fora da Palestina eram então Alexandria e Babilónia. Profundamente helenizados, os judeus de Alexandria liam as suas Escrituras em grego. Deve-se-lhes a colectânea de escritos que se tornará o Antigo Testamento cristão.


Em 63 a. C., a Palestina passou a fazer parte do império romano dentro do qual não teve sempre o mesmo estatuto. Por voltas de meados do séc. I da era cristã, os judeus da Palestina tentaram libertar-se do domínio romano. Houve primeiro várias sublevações locais. Em 66 a revolta generalizou-se. Em 70 os Romanos conquistaram Jerusalém e destruiram o templo judaico. Os judeus da Palestina voltaram a revoltar-se em 131. Após ter esmagado a revolta, em 135, o imperador Adriano fez de Jerusalém uma colónia romana, Colonia Aelia Capitolina, da qual os judeus estiveram excluídos durante algum tempo. Com a ruína do templo e o fim da autonomia judaica na Palestina desapareceu a maioria dos grupos político-religiosos nos quais o judaísmo, sobretudo o judaísmo palestinense, estava então dividido. Praticamente só ficaram em campo dois grupos: o farisaísmo e o cristianismo, recém-formado. Os dois grupos acabaram por separar-se e evoluiram de maneira independente, em concorrência e, não raro, em conflito. O farisaismo deu origem ao judaísmo rabínico, isto é, o judaísmo actual.


Graças à cristianização do império romano, a Palestina, palco dos acontecimentos fundadores do cristianismo, adquiriu uma grande importância para o mundo cristão, sobretudo para os cristãos que se encontravam dentro do império romano. Por isso durante o período bizantino (324-638) a Palestina conheceu uma prosperidade e um crescimento demográfico notáveis. Durante esse período a esmagadora maioria da sua população tornou-se cristã. Em 614 os Persas Sassânidas invadiram a Palestina, onde causaram grandes estragos. Ocuparam-na até 628, ano em que os Bizantinos a reconquistaram, mas por pouco tempo.


Com efeito, dez anos mais tarde, em 638 toda a Palestina passou para o domínio árabo-muçulmano. Este exerceu-se através de uma sucessão de dinastias, de origens, de etnias e com capitais diferentes. A primeira dessas dinastias, a dos Omíadas (660-750), com a capital em Damasco, foi uma das que mais marcou a Palestina, nomeadamente com a construção do Haram ech-Cherife (o Nobre Santuário/Esplanada das Mesquitas) no lugar que ocupara outrora o templo judaico, tornando Jerusalém na terceira cidade santa do islão. Seguiram-se os Abássidas (750-974) e os Fatimidas (975-1071), com as capitais respectivamente em Bagdad e no Cairo. Entre 1072 e 1092 a Palestina esteve sob os Turcos Seldjúcidas, que então tinham a sede em Bagdad.


Embora não tenha dado origem a uma imigração popular e, por conseguinte, não tenha mudado a composição étnica e a demografia de maneira apreciável, o regime árabo-muçulmano teve como consequência a arabização e a islamização da Palestina. A arabização[2], nomeadamente da população cristã de língua aramaica, língua parenta do árabe, deu-se muito depressa. Não pode dizer-se outro tanto da islamização. Apesar de o islamismo se apresentar como o acabamento da tradição bíblica, partilhada pelo cristianismo, pelo judaísmo e pelo samaritanismo, o processo de islamização da população palestinense (cristã, judaica e samaritana) parece ter sido muito lento. Em 985, após três séculos e meio de regime islâmico, o geógrafo árabe-muçulmano de Jerusalém, conhecido pelo nome de el-Maqdisi («o jerosolimitano»), lamenta-se de que os cristãos e os judeus são maioritários na sua cidade natal. O que el-Maqdisi escreve a respeito da Jerusalém de fins do séc. X valia para o conjunto da Palestina e continuou provavelmente a valer durante cerca de mais dois séculos e meio.


Organizada com o intuito declarado de arrancar o túmulo de Cristo das mãos dos «infiéis», a primeira cruzada terminou, em 1099, com a conquista de Jerusalém e, no ano seguinte, a criação do Reino Latino de Jerusalém. Este manteve-se até 1187, tendo sido então conquistado pelo curdo Saladino, o fundador da dinastia ayúbida. Aos Ayúbidas seguiram-se os Mamelucos, primeiro turcos (1250-1382) e depois circassianos (1382-1516). Os Ayúbidas e os Mamelucos tiveram a capital no Cairo. Segundo a maioria dos especialistas da questão, foi durante o período mameluco que teve lugar a grande vaga da islamização popular da Palestina. Desde então até à segunda metade do séc. XX, os muçulmanos constituiram a esmagadora maioria da população. Do ponto de vista numérico, o segundo grupo era constituído pelos cristãos, seguidos, de muito longe, pelos grupos dos judeus e dos samaritanos. Em 1517 a Palestina passou para o poder dos Turcos Otomanos, cuja capital era Istambul.



DESDE MEADOS DO SÉCULO XIX
Começos do sionismo


O judaísmo conserva a esperança de que um dia todo o povo judaico disperso «regressará» ao que chama «a Terra/País de Israel», onde se reunirá e viverá como nação, observando rigorosa e integralmente a Lei divina. A nação judaica será assim «inteiramente liberta da servidão» das outras nações. A «redenção de Israel» transbordará, estendendo-se a todos os seres humanos e ao mundo inteiro. Tudo isso será obra de Deus, não do povo. Com efeito, a tradição religiosa vê na dispersão (diáspora) ou no exílio (termo mais corrente, embora historicamente inadequado) o castigo divino pelos pecados do povo, ao qual por conseguinte só o próprio Deus pode pôr fim. Durante muitos séculos a utopia da «redenção de Israel» não transbordou do âmbito religioso, que é a sua matriz. Deu origem a peregrinações e a imigrações individuais ou de pequenos grupos que não modificaram o estatuto político da Palestina nem a sua composição étnica, a qual, apesar das numerosas mudanças políticas e religioso-culturais, parece ter permanecido relativamente estável desde fins do II milénio a. C. até fins do II milénio da era cristã.


A situação começou a mudar no século XIX. No contexto do triunfo das ideologias nacionalistas e da ideia do estado nacional, surgiu entre os judeus laicos da Europa central e oriental um movimento nacionalista secular cujo objectivo era a criação de um estado dos judeus, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. Para os seus partidários, o dito estado tomou de certo modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da «redenção de Israel» ocupa na tradição religiosa. Contrariamente à reunião de «Israel» da utopia religiosa, o estado projectado pelos nacionalistas judeus não tinha necessariamente a Palestina por cenário. Com efeito, o seu principal promotor, Teodoro Herzl (1860-1904)[3], encarou a possibilidade de o criar na Argentina. Falou-se também de Chipre, da África oriental e do Congo. Diga-se de passagem que a liberdade na escolha do futuro «território nacional» de que deram mostras os nacionalistas judaicos se explica pelo facto de se viver então na Europa no apogeu do sonho colonialista. Consideravam-se colonizáveis todos os territórios situados fora da Europa. Colonizá-los era tido por uma obra benemérita, pois era «civilizá-los».


Os nacionalistas judaicos não tardaram a optar pela Palestina. Essa escolha, embora não fosse necessária, era natural e particularmente mobilizadora, por causa da ligação do judaísmo à Palestina e da atracção que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou originários desse país. O nacionalismo judaico tomou assim o nome de sionismo, palavra que deriva de Sião, um dos nomes de Jerusalém na Bíblia. Repare-se também que a escolha da Palestina se enquadrava nos projectos coloniais das potências europeias, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, que preparavam a partilha dos despojos do império otomano decadente. Foi sem dúvida por isso que o projecto sionista vingou.


Durante décadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes[4] laicos, sem base popular. Houve componentes do judaísmo, nomeadamente as grandes comunidades sefarditas[5] da África do norte, que estiveram praticamente à margem desse movimento até à década de 1930 ou ainda mais tarde. No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas divisões nas diferentes componentes do judaísmo, religioso e secular, askenaze, sefardita e pertencente a outros grupos. Embora se tenham atenuado ou transformado, essas divisões subsistem ainda hoje.


Para a maioria esmagadora dos rabinos da Europa central e oriental que se encontraram confrontados com ele, o projecto dos sionistas de criar o estado dos judeus, apoiando-se para isso nos seus próprios meios políticos, diplomáticos e económicos, era a negação da esperança na «redenção de Israel» por iniciativa e obra exclusivas de Deus. Por isso, condenaram o sionismo como uma manifestação de orgulho, o pecado por excelência. O partido Agudat Israel (União/Associação de Israel), fundado em Kattowitz (Silésia, Polónia) em 1912, incarnou essa posição. O dito partido propunha-se reunir todos os judeus fiéis à Lei para se oporem ao nacionalismo sionista considerado como uma ameça mortal para o «autêntico judaísmo». No entanto, na década de 1930, o Agudat Israel mitigou, por pragmatismo, a sua oposição ao sionismo, aceitando que a Palestina se tornasse o refúgio para os judeus europeus perseguidos. Em 1948 reconheceu de facto as instituições do Estado de Israel. Participou em todas as eleições legislativas israelenses[6] e em vários governos. No entanto, algumas facções minoritárias não aceitaram a mudança de orientação. Além de persistirem na negação da legitimidade religiosa do Estado de Israel e na recusa de qualquer colaboração com ele, tornaram-se críticos acérrimos da sua política. Entre os pequenos grupos representantes dessa tendência, o dos Neturei Karta (Guardiães da Cidade) é actualmente o mais conhecido.


Uma minoria entre os judeus religiosos da Europa central e oriental aceitou bastante cedo colaborar com os sionistas. Um dos primeiros expoentes desta posição foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915), nascido em Karolin, na Bielorússia. Na origem, essa posição tinha sobretudo por objectivo não deixar aos seculares o monopólio do socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos. Incarnou-a o Mizrahi (Centro Espiritual), fundado em Vilnius (Lituânia) em 1902. Segundo essa corrente do judaísmo religioso, nada impede a colaboração com o sionismo, pois este não é incompatível com a tradição. A razão que ela dá funda-se, paradoxalmente, no carácter inteiramente materialista e político do sionismo. Dado o seu teor, o sionismo não pode fazer concorrência à esperança messiânica, que se situa num plano completamente diferente. A ideia da coexistência pacífica do judaísmo religioso e do sionismo depressa cedeu o lugar a uma integração da ideologia sionista dentro do sistema religioso tradicional. O autor dessa integração foi o rabino Abraão Isaac Hacohen Kook (1865-1935), nascido em Griva na Letónia, primeiro Rabino-Mor askenaze da Palestina (1921-1935). Contrariamente aos seus homólogos do Agudat Israel, o rabino Kook vê no sionismo um instrumento de que Deus se serve para dar início à «redenção de Israel», e no Estado dos judeus a aurora da redenção ou do reino de Deus. Os principais herdeiros actuais desta concepção do sionismo são o Partido Nacional Religioso e o Guch Emunim (Bloco da Fé), que reune os opositores mais irredutíveis à devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de Gaza conquistadas por Israel em 1967, assim como os colonizadores mais zelosos desses territórios.


O sionismo provocou também clivagens entre os judeus secularizados. Uns abraçaram-no com mais ou menos entusiasmo e agiram ou não em conformidade, outros serviram-se dele para diferentes fins, outros olharam-no com indiferença e outros ainda rejeitaram-no terminantemente, por razões políticas, morais, culturais ou sociais. Além dos anti-sionistas religiosos, os autênticos adversários do sionismo são ainda hoje judeus seculares, o que é natural, na medida em que a questão diz directamente respeito a uns e a outros.


O sionismo tornou-se popular entre os judeus, sobretudo entre os judeus seculares, da Europa oriental e central a partir de 1881 por causa dos numerosos ataques e pilhagens (pogroms, em russo) de que aí foram vítimas entre esse ano e 1921. De facto, foi a Europa oriental que forneceu os contingentes de emigrantes judeus que então foram instalar-se na Palestina. As duas primeiras vagas da emigração coincidiram aliás com as duas primeiras vagas de pogroms, que tiveram lugar respectivamente em 1881-1884 e em 1903-1906. A esmagadora maioria dos emigrantes era gente pobre e perseguida. Dirigiam-na intelectuais das classes médias. Estes fizeram financiar a operação por membros da burguesia judaica ocidental, europeia e norte-americana, ansiosa por desviar da sua porta uma imigração popular judaica que iria contrariar os seus desígnios de «assimilação» nos países respectivos.



A Primeira Grande Guerra e a Palestina


A Primeira Grande Guerra teve consequências decisivas para a Palestina. As potências aliadas não esperaram pelo fim da guerra para preparar o desmantelamento e a liquidação do império turco, aliado da Alemanha. Procurando aproveitar-se do nacionalismo árabe, a Grã-Bretanha prometeu ao cherife Hussein de Meca o seu apoio para a criação de um estado árabe independente tendo por fronteira ocidental o mar Vermelho e o Mediterrâneo, em troca da revolta árabe contra a Turquia. De facto, a Palestina, que faz parte do território do anunciado estado árabe, era cobiçada ao mesmo tempo pela Grã-Bretanha e pela França, mas as duas potências admitiram o princípio da sua internacionalização nos acordos secretos de Sykes-Picot de 16 de Maio de 1916. Esse facto não impediu a Grã-Bretanha de prometer no ano seguinte, na chamada Declaração Balfour, à Federação Sionista que faria todo o possível para o estabelecimento de «um lar nacional para o povo judaico» (a national home for the Jewish people) na Palestina. Para os sionistas, o circunlóquio «um lar nacional para o povo judaico» designava um estado judaico ou um estado dos judeus. O movimento sionista evitava o termo estado, falando antes de «lar nacional» ou de pátria, para não exacerbar a oposição turca ao projecto.


De facto, as forças britânicas, às quais se renderam as forças turcas em Jerusalém a 9 de Dezembro de 1917, terminaram a ocupação da Palestina em Setembro de 1918. A Palestina ficou então sob administração militar britânica, a qual foi substituída por uma administração civil a 1 de Julho de 1920. Entretanto, na Conferência da Paz reunida em Paris em Janeiro de 1919, as Potências Aliadas decidiram que os territórios da Síria, do Líbano, da Palestina/Transjordânia e da Mesopotâmia não seriam devolvidos à Turquia, mas passariam a formar entidades distintas, administradas segundo o sistema dos Mandatos. Criado pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações a 28 de Junho de 1919, o sistema dos Mandatos destinava-se a determinar o estatuto das colónias e dos territórios que se encontravam sob o domínio das nações vencidas. O dito documento declara que «algumas comunidades outrora pertencentes ao império turco atingiram um estado de desenvolvimento» que permite reconhecê-las provisoriamente como nações independentes. Em relação a essas nações, o papel das potências mandatárias seria ajudá-las a instalar a sua administração nacional independente. O mesmo documento estipula ainda que os desejos dessas nações devem ser uma consideração principal (a principal consideration) na escolha da potência mandatária. Na conferência de San Remo a 25 de Abril de 1920, o Conselho Supremo Aliado repartiu os Mandatos para essas nações entre a França (Líbano e Síria) e a Grã-Bretanha (Mesopotâmia, Palestina/Transjordânia). O Mandato para a Palestina, que incorpora a Declaração Balfour sobre o estabelecimento do «lar nacional para o povo judaico», foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações a 24 de Julho de 1922, tornando-se efectivo a 29 de Setembro do mesmo ano. Ao abrigo do disposto no art. 25 do Mandato para a Palestina, o Conselho da Liga das Nações decidiu a 16 de Setembro de 1922 excluir a Transjordânia de todas as cláusulas relativas ao lar nacional judaico, e dotá-la com uma administração própria. De facto, o território que os sionistas pretendiam para nele estabelecer o seu estado era bastante mais vasto do que a Palestina. Abarcava também toda a parte oeste da Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano a sul de Sidão.


Como previsto, todas essas nações se tornaram efectivamente independentes no curso das três décadas seguintes: O Iraque (Mesopotâmia) a 3 de Outubro de 1932, o Líbano a 22 de Novembro de 1943, a Síria a 1 de Janeiro de 1944 e, finalmente, a Transjordânia a 22 de Março de 1946. A única excepção foi a Palestina.


O obstáculo que fez descarrilar o processo da independência da Palestina foi a adopção pela Liga das Nações, seguindo nisso as pegadas da Grã-Bretanha, do projecto sionista da criação do «lar nacional para o povo judaico» nesse país. A Organização Sionista Mundial tinha entretanto amadurecido esse projecto e tinha-lhe granjeado apoios muito sólidos, vindo-lhe o principal da Grã-Bretanha. Esta expressou o seu patrocínio ao projecto sionista na já referida Declaração Balfour. Trata-se de uma carta que A. J. Balfour, Ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu, a 2 de Novembro de 1917, ao Lorde L. W. Rothschild, representante dos judeus britânicos, e, por seu intermédio, à Federação Sionista. Numa altura em que a Palestina ainda era oficialmente território turco, o Governo de Sua Majestade Britânica declara à Federação Sionista ver com bons olhos o estabelecimento de «um lar nacional para o povo judaico» nesse país e compromete-se a fazer todo o possível para facilitar a realização desse projecto. A carta acrescenta uma ressalva segundo a qual «nada deverá ser feito que prejudique os direitos cívicos e religiosos das comunidades não-judias que existem na Palestina». As ditas «comunidades não-judias» constituiam então um pouco mais de 90 % da população. De facto, em 1918, a Palestina tinha 700.000 habitantes: 644.000 árabes (574.000 muçulmanos e 70.000 cristãos) e 56.000 judeus.


A Declaração Balfour era originalmente um compromisso que a Grã-Bretanha asssumia, por razões que lhe eram próprias, para com a Federação Sionista. Mas entretanto ela recebeu o aval das Principais Potências Aliadas e foi incorporada no Mandato para a Palestina, aprovado pela Liga das Nações a 24 de Julho de 1922. Com efeito, o essencial da Declaração Balfour é citado explicitamente no § 2 do preâmbulo do dito documento. É ainda reforçado no § 3, graças a dois elementos que não constavam na Declaração Balfour, isto é, a menção da ligação histórica do povo judaico com a Palestina e a ideia da reconstituição do seu lar nacional nesse país. Dos vinte e oito artigos do texto do Mandato seis têm por objecto o estabelecimento do lar nacional judaico ou medidas com ele relacionadas. O art. 2, que é o primeiro de carácter programático, começa assim: «A (Potência) Mandatária terá a responsabilidade de pôr o país em condições políticas, administrativas e económicas que assegurem/garantam o estabelecimento do lar nacional judaico (of the Jewish national home), como está estipulado no preâmbulo...». Outros cinco artigos tratam de medidas destinadas a realizar esse programa. Essas medidas dizem respeito: ao papel de conselheira de uma «Agência Judaica apropriada» nos diferentes domínios da governação (art. 4); às facilidades que devem ser concedidas aos judeus nas questões relativas à imigração, assim como no que respeita à sua instalação no país, inclusivamente nas terras do Estado ou nos baldios (art. 6); às facilidades que devem ser concedidas aos judeus na obtenção da nacionalidade (art. 7); à concessão de obras e serviços públicos à Agência Judaica (art. 11b); à imposição do hebraico como língua oficial ao lado do inglês e do árabe (art. 22), embora os judeus fossem então só um pouco mais de 11 % da população. A Palestina tinha nessa altura 757.182 habitantes, dos quais 83.794 eram judeus.


Sem excluir formalmente o objectivo normal do tipo de Mandato aplicado aos países árabes do império otomano, que era levar à plena independência a população que então os habitava, o Mandato para a Palestina tinha outro objectivo, que lhe era próprio, isto é, promover a criação de um lar nacional judaico – subentenda-se a criação de um estado judaico – com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora. O seu documento fundante não deixa dúvidas de que o objectivo prioritário do Mandato para a Palestina – para não dizer o seu verdadeiro objectivo – era criar o lar nacional judaico. É verdade que o documento também menciona as comunidades não-judaicas então existentes na Palestina e os seus direitos cívicos e religiosos – não refere os seus direitos políticos –, mas as suas menções vêm em segundo lugar e expressam-se sob a forma de ressalvas feitas às medidas destinadas a implementar o projecto sionista.


Graças ao Mandato para a Palestina, o patrocínio do projecto sionista, que era um elemento da política britânica, tornou-se política oficial da Liga das Nações. Esta não só deu ao projecto sionista a caução internacional mas forneceu-lhe também os meios para a sua realização. A Grã-Bretanha, a quem o Conselho Supremo Aliado (isto é, os vencedores da guerra) confiara o Mandato da Palestina, era sem dúvida alguma a potência mais indicada para implementar a política da Liga das Nações em relação a esse país. De facto, a administração britânica procurou cumprir fielmente enquanto pôde a missão que lhe fora confiada.


Por seu lado, as organizações sionistas aproveitaram as infra-estruturas administrativas e económicas que o Mandato pôs à sua disposição para acelerar a realização do projecto de criação do Estado judaico na Palestina. Para isso intensificaram a imigração dos judeus da Europa oriental e central, em três vagas principais: em 1919-1923, 1924-1928 e 1932-1940. Em 1931 os judeus eram 174.610 de um total de 1.035.821 habitantes da Palestina. Em 1939, já são mais de 445.000 e em 1946 atingem o número de 608.230 de um total de habitantes da Palestina respectivamente de 1.500.000 e de 1.972.560. Por outro lado, o Fundo Nacional Judaico, isto é, o fundo da Organização Sionista Mundial para a compra e o desenvolvimento da terra, intensificou a aquisição de terras. Estas tornavam-se «propriedade eterna do povo judaico», inalienável e que só podia ser arrendada a judeus. No caso das explorações agrícolas, até a mão de obra devia ser exclusivamente judaica. Por fim, os sionistas criaram em pouco tempo as principais estruturas do futuro estado, nomeadamente um exército clandestino (a Haganá).


A maneira como os vencedores da Primeira Grande Guerra decidiram o destino da Palestina, servindo-se para isso da Liga das Nações, é quase uma caricatura da duplicidade e da prepotência que não raro caracterizam as relações internacionais. De facto, há especialistas do Direito Internacional que questionam a legalidade das decisões da Liga das Nações em relação à Palestina em nome das regras que ela própria fixara. Assim, apesar de ter classificado a Palestina num grupo de nações às quais reconhecia imediatamente a independência formal e prometia a independência efectiva a curto prazo, a Liga das Nações impôs-lhe um Mandato cujo objectivo prioritário não era a instalação da administração palestiniana nacional, como previa o documento que institutiu o sistema dos Mandatos, mas, sim, a criação do «lar nacional judaico» com gente que ainda estava espalhada pelo mundo. Ora, este objectivo não só contrariava o processo de transição para a independência política efectiva da Palestina, mas era incompatível com o próprio princípio da sua independência com a população que ela então tinha, princípio esse que a Liga das Nações admitira previamente. Por outro lado, tendo nomeado a Grã-Bretanha para potência mandatária sem ter consultado os palestinianos, o Supremo Conselho Aliado não respeitou a regra fixada pelo Pacto da Liga das Nações, segundo a qual os desejos das comunidades submetidas a esse tipo de Mandato deviam ser uma consideração principal na escolha da potência mandatária (art. 22 )[7].



Mandato britânico (1922-1948)


Os palestinianos viram no patrocínio que deram primeiro a Grã-Bretanha e depois a Liga das Nações ao projecto sionista de criação do lar nacional judaico na Palestina a negação do seu direito à independência. Ora, tanto a Grã-Bretanha como a Liga das Nações, explícita ou implicitamente, não só lhes tinham reconhecido esse direito, mas também lhes tinham prometido o seu gozo pleno a curto prazo. Por isso, além do mais, os palestinianos sentiram-se defraudados. Naturalmente, opuseram-se ao projecto da criação do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro instante – logo que tiveram conhecimento da Declaração Balfour – e tentaram, por todos os meios, impedir a sua realização, pois temiam que dela resultasse a sua submissão, não só política mas também económica, aos sionistas, passando assim do domínio turco para o domínio judaico, com um intervalo britânico. Apresentaram protestos contra a Declaração Balfour à Conferência de Paz de Paris e ao Governo Britânico. A primeira manifestação popular contra o projecto sionista teve lugar a 2 de Novembro de 1918, primeiro aniversário da Declaração Balfour. Essa manifestação foi pacífica, mas a resistência depressa se tornou violenta, expressando-se em ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos sangrentos. Houve motins em 1920, durante a Conferência de San Remo que distribuiu os Mandatos, em 1921, 1929 e 1933. De um modo geral, as erupções de violência eram cada vez mais graves à medida que o Mandato se prolongava e a colonização sionista se estendia e fortalecia. Os acontecimentos desenrolavam-se segundo uma sequência que se tornou habitual. A potência mandatária respondia aos motins nomeando uma comissão real de inquérito, cujas recomendações reconheciam a legitimidade das reivindicações palestinianas e levavam a anunciar ou a esboçar tímidas medidas tendentes a satisfazê-las. Mas, dado que contrariavam o objectivo primordial do Mandato, essas medidas ficavam letra morta ou eram depressa esquecidas. E o ciclo recomeçava.


A resistência palestiniana culminou na revolta de 1936-1939. Em Abril de 1936, distúrbios locais entre árabes e judeus degeneraram numa revolta generalizada dos palestinianos. A revolta já não visava só a colonização sionista. Dirigia-se sobretudo contra as autoridades britânicas, o poder estrangeiro, de quem os palestinianos exigiam a constituição de um governo nacional. As autoridades britânicas ripostaram com uma repressão violenta e os sionistas com represálias. Os palestinianos começaram uma greve geral a 8 de Maio de 1936 coordenada pelo Alto Comité Árabe, que era composto por representantes dos principais partidos. Terminaram-na em Outubro do mesmo ano como resposta ao anúncio de mais uma comissão real de inquérito. A trégua foi de pouca dura, a revolta não tardando a recomeçar. Tendo chegado à conclusão de que os palestinianos não renunciariam à independência, os britânicos encararam em 1937 a hipótese de dividir a Palestina em dois estados, um árabe e o outro judaico. Essa solução não satisfazia nenhuma das partes. Os palestinianos não renunciavam a uma parte do seu território. Os sionistas, que viam com razão nesse plano um desvio da política oficial não só britânica mas também internacional, ainda não aceitavam a ideia de criar o estado judaico só numa parte da Palestina, o que aparentemente significaria renunciar à reivindicação da totalidade do país. A revolta palestiniana continuou e durou até 1939. Considerando inviável o plano de divisão da Palestina, os britânicos fazem marcha atrás e propõem no «Livro Branco» de 1939 a criação de um só estado para árabes e judeus, no prazo de dez anos. O mesmo documento propunha o fim da imigração judaica dentro de cinco anos e limitava a 75.000 o número de imigrantes durante esse prazo de tempo. Além disso, previa uma regulamentação estrita da compra de terras pelas organizações judaicas. Esse conjunto de medidas implicava que os árabes constituiriam um pouco mais de dois terços dos cidadãos do Estado da Palestina. O peso dos dois povos na administração do Estado seria proporcional à sua importância numérica. As autoridades mandatárias tentaram executar as recomendações do «Livro Branco» de 1939, mas sem verdadeiro êxito.


O «Livro Branco» de 1939 confirmou a viragem na política britânica já esboçada dois anos antes. Ao abandonar a ideia da criação de um estado judaico, as autoridades mandatárias romperam com a política seguida até então. Isso representava um sério revés para os sionistas. Estes tiveram que adoptar uma nova estratégia, a qual comportou três elementos principais. Promoveram a imigração ilegal, tarefa essa facilitada pelo genocídio judaico que a Alemanha nazi estava então a perpetrar na Europa central e oriental. Nessas circunstâncias a Palestina aparecia como o lugar de refúgio para os judeus europeus, sobretudo do centro e do leste. Além disso, os sionistas procuraram obter o apoio dos Estados Unidos da América (EUA) para substituir o apoio britânico. Alguns grupos armados lançaram-se numa campanha de guerrilha contra as autoridades britânicas e os árabes. Nessa altura a Haganá não era o único grupo armado judaico. Havia também o Irgun e o Stern[8], que se destacaram na guerrilha pela sua violência. Entre as numerosas acções realizadas pelo Irgun contra as autoridades britânicas, a mais conhecida é o atentado do Hotel King David em Jerusalém, onde estava instalada a administração governamental. A explosão de uma ala do edifício, no dia 22 de Julho de 1946, custou a vida a 91 pessoas, das quais 86 funcionários (britânicos, árabes e judeus). Declarando-o inviável por ter duas missões inconciliáveis, a Grã-Bretanha renunciou ao Mandato e remeteu a questão da Palestina para a sucessora da Liga das Nações, a Organização das Nações Unidas (ONU), em Fevereiro de 1947. A 29 de Novembro de 1947 a Assembleia Geral da ONU, retomando uma ideia que já tinha sido proposta dez anos antes, aprovou a resolução 181 que recomendava a divisão da Palestina em dois estados, um judaico e o outro árabe. Os dois estados estariam unidos do ponto de vista económico. Jerusalém (incluindo Belém) não pertenceria a nenhum dos estados, mas formaria um corpus separatum sob a jurisdição da ONU. Passados dez anos haveria um referendo entre os habitantes da cidade sobre o seu regime. O plano deveria entrar em vigor dois meses depois do fim do Mandato que a Grã-Bretanha fixou para o dia 15 de Maio de 1948.



A criação do Estado de Israel (14 de Maio de 1948)
e suas consequências para o povo palestiniano


Como já o tinham feito em 1937 e pelas mesmas razões, os palestinianos opuseram uma recusa formal ao plano de divisão. De facto, a ONU mostrou-se incapaz de o aplicar. Não se tendo previsto nada para substituir as forças britânicas, a sua retirada deixou os árabes e os judeus frente a frente. Os judeus asseguraram as posições dentro dos territórios que o plano da ONU lhes concedia e procuraram ocupar outros. A 14 de Maio de 1948, véspera do fim do Mandato e da retirada das últimas forças britânicas, os judeus proclamaram o Estado de Israel. A partir do dia 15 a guerra alargou-se com a entrada na Palestina de uma coligação de forças regulares transjordanas, egípcias e sírias, ajudadas por contingentes libaneses e iraquianos.


Israel tinha já em 1948 uma enorme vantagem sobre a coligação árabe. O seu exército era mais numeroso, estava melhor treinado e melhor equipado. Além disso, Israel tinha o apoio das grandes potências e a simpatia da opinião pública ocidental. Os combates cessaram praticamente no dia 7 de Janeiro de 1949, graças à intervenção da ONU. Entre 23 de Fevereiro e 20 de Julho desse mesmo ano, os países árabes implicados na guerra, excepto o Iraque, assinaram armistícios com Israel. Os territórios ocupados por Israel no fim da guerra constituiam cerca de 78 % da Palestina. Tornaram-se, de facto, o território do Estado de Israel. Ficaram fora dele a cadeia de baixas montanhas do centro e do sul da Palestina, a chamada Cisjordânia, assim como a Faixa de Gaza. Jerusalém ficou dividida: a parte oeste da cidade extra-muros ficou do lado de Israel; a cidade antiga e o bairro extramuros a norte ficaram do lado árabe. Israel declarou Jerusalém sua capital, decisão essa ignorada pela comunidade internacional, pois ia contra a Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU de 1947, que recomendava a internacionalização da cidade. No dia 11 de Maio de 1949, o Estado de Israel foi admitido na ONU. A 24 de Abril de 1950, a Cisjordânia com a parte de Jerusalém sob domínio árabe foi anexada à Transjordânia, que passou a chamar-se Reino Hachemita da Jordânia. A Faixa de Gaza ficou sob administração militar egípcia.


Entre setecentos a novecentos mil palestinianos do que se tornou o território de Israel, isto é, a esmagadora maioria da sua população autóctone, encontraram-se na situação de refugiados. Uns fugiram de suas casas aterrorizados ao aproximarem-se as forças judaicas. O pânico que se abateu sobre a população palestiniana foi criado em boa parte pelos massacres cometidos pelas forças judaicas em vários pontos do país. O mais conhecido é o de Der Yassin, que era então uma aldeia na vizinhança de Jerusalém. As suas terras estão hoje ocupadas por Giveat Chaul, um bairro da cidade. A 9 de Abril de 1948, um comando do Irgun e do Stern entrou em Der Yassin e massacrou mais de cem pessoas, homens, mulheres e crianças. A notícia desse massacre provocou a fuga de cerca de 100.000 pessoas da região de Jerusalém. Outros palestinianos foram expulsos à força. Entre os vários casos conhecidos, os de maiores proporções tiveram lugar em Lida (a actual cidade de Lod) e Ramlé. Uma escaramuça com tropas árabes ocorrida no dia 12 de Julho de 1948 serviu de pretexto ao exército de Israel para uma violenta repressão que custou a vida a 250 pessoas, algumas das quais eram prisioneiros desarmados, assim como para a expulsão de cerca de 70.000 pessoas, algumas das quais já eram refugiadas. A ordem de expulsão foi dada pelo próprio Primeiro-Ministro, David ben Gurion. Os seus executores foram Igal Alon e Isaac Rabin. A Galileia foi a região do território de Israel onde ficaram mais palestinianos. As zonas de maior densidade populacional palestiniana ficaram sob administração militar até 8 de Dezembro de 1966.


A 11 de Dezembro de 1948 a ONU aprovou a resolução 194 que reconhece aos refugiados palestinianos o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indemnizados, se assim o preferirem. Apesar de o preâmbulo da resolução que o admitiu na ONU mencionar explicitamente a aplicação desta resolução, Israel recusou-se e continua a recusar-se a aplicá-la. Apressando-se a arrasar as aldeias palestinianas que tinham sido esvaziadas dos seus habitantes (o número habitualmente avançado é de cerca de 500 localidades) e distribuindo as suas terras aos imigrantes judeus, Israel tornou impossível o regresso de uma boa parte dos refugiados aos seus lares. A esmagadora maioria dos refugiados amontoou-se em acampamentos na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, na Síria e no Líbano. No dia 1 de Maio de 1950 a ONU criou a UNRWA, a agência internacional que se ocupa deles.


Desde a criação do Estado de Israel, o conflito que o opõe aos palestinianos tem sido o epicentro de um conflito entre Israel e o conjunto dos países árabes, com fortes repercussões mundiais. Esse conflito foi, em particular, a causa, ou pelo menos a ocasião, da emigração da maioria esmagadora dos judeus dos países árabes para a Palestina/Israel a partir dos últimos anos da década de 1940. As circunstâncias variaram ligeiramente segundo os países. De um modo geral, pode dizer-se que uns emigraram por causa da hostilidade de que o conflito os tornou alvos nos seus respectivos países e os outros foram «puxados» ou «empurrados» por Israel, desejoso de multiplicar o mais rapidamente possível a sua população judaica por razões nacionalistas, militares e económicas, repovoando assim o território que havia sido praticamente esvaziado da sua população palestiniana. De facto, os «judeus orientais» depressa se tornaram maioritários em Israel, mas o aparelho de estado e o poder económico ficaram bem firmes nas mãos dos askenazes. A importância numérica entre os dois grupos mudou entretanto a favor dos askenazes com os numerosos imigrantes vindos, nas últimas décadas, das repúblicas soviéticas, antes e depois da dissolução da União Soviética.



A guerra de 1967 e as suas consequências


Desde o fim da Guerra de Suez, em 1956, forças internacionais separavam os exércitos de Israel e do Egipto e garantiam a liberdade de navegação no Golfo de Akabá. A 19 de Maio de 1967, o Secretário-Geral da ONU, U Thant, decidiu retirá-las, a pedido do Presidente do Egipto Gamal Nasser. No dia 22 de Maio, G. Nasser fechou o Golfo de Akabá aos barcos israelenses. Israel ripostou no dia 5 de Junho com uma guerra-relâmpago durante a qual ocupou toda a Península do Sinai (egípcia), a Faixa de Gaza (sob administração militar egípcia), a Cisjordânia juntamente com Jerusalém Oriental (anexadas pela Jordânia em 1950) e o Planalto do Golã (sírio). Israel anexou a parte de Jerusalém recém-ocupada.


A chamada «Guerra dos Seis Dias» fez mais refugiados palestinianos, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, alguns dos quais o eram pela segunda vez. Calcula-se que o seu número foi superior a 50.000. A maioria foi para a Jordânia. Os restantes foram para o Egipto, a Síria e outros países.


No dia 22 de Novembro de 1967, o Conselho de segurança da ONU aprovou a resolução 242 que se propunha formular os termos para uma paz justa e duradoura no Próximo Oriente, baseada no respeito pelos princípios da Carta da ONU e na inadmissibilidade da aquisição de territórios pela guerra. A resolução ordena a retirada das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no recente conflito[9] em troca do reconhecimento pelos estados árabes do Estado de Israel dentro das linhas do armistício de 1949. Além disso, a resolução ressalta a necessidade de garantir a liberdade de navegação através das águas internacionais da área e de dar uma solução justa ao problema dos refugiados. Longe de se retirar dos territórios recentemente ocupados, como exigia a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, Israel começou logo a colonizá-los com cidadãos seus.


De 1967 a 1995


A história do conflito israelo-palestiniano desde 1967 é um rosário de planos de paz abortados, de esperanças frustradas e, como nos períodos anteriores, de violência, sangue, destruição e lágrimas. Referiremos só, rapidamente, os factos, os acontecimentos e as datas que nos parecem mais marcantes e susceptíveis de ajudar a compreender a situação actual.


Começaremos por assinalar uma mudança nos papéis desempenhados pelos intervenientes no conflito. A anexação da Cisjordânia pela Jordânia em 1950 e a passagem da Faixa de Gaza para a tutela do Egipto levaram a uma espécie de eclipse do povo palestiniano. A situação mudou a partir de 1967. O povo palestiniano voltou a tomar em mãos o seu destino. Por mais que se tenha esforçado por negar a sua existência, Israel teve finalmente que reconhecer o povo palestiniano não só como povo, mas também como «interlocutor/inimigo» inevitável. Incarnou as aspirações nacionais palestinianas a Organização de Libertação da Palestina (OLP), uma coligação de partidos ou grupos que havia sido criada em Jerusalém, em 1964. Tal como foi formulada em 1968, a Carta da OLP, na linha do que sempre fora a política palestiniana, propunha-se como objectivo a criação do Estado da Palestina em todo o território nacional. Isso implicava o desaparecimento do Estado de Israel. A carta da OLP considerava os judeus que viviam na Palestina antes da «invasão sionista» como palestinianos com pleno direito à cidadania, como os demais habitantes: muçulmanos, cristãos e de outras religiões ou etnias.


A chefia da OLP esteve na Jordânia até 1971. Derrotada no conflito armado que a opôs ao Governo Jordano (Fevereiro e Setembro de 1970), a OLP foi expulsa desse país em 1971, instalando-se então no Líbano. Na sequência desses acontecimentos, alguns grupos palestinianos, que se apelidaram «Setembro Negro», lançaram-se numa campanha de guerrilha internacional, cujas acções mais espectaculares foram os numerosos desvios de aviões comerciais e o atentado contra os atletas israelenses que participavam nos Jogos Olímpicos de Munique a 5-6 de Setembro de 1972.


No dia 6 de Outubro de 1973, o Egipto e a Síria tentaram, em vão, reconquistar militarmente cada qual os territórios conquistados por Israel em 1967. No dia 22 do mesmo mês, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 338 que reafirma a validade da Resolução 242 e apela para um cessar-fogo e para negociações com vistas a «instaurar uma paz justa e duradoura no Próximo Oriente». Os combates cessaram três dias mais tarde.


No mês seguinte, a Liga Árabe, reunida na Cimeira de Argel (26-28 de Novembro de 1973), declarou a OLP único representante do povo palestiniano. Desde 1970 a Assembleia Geral da ONU afirmava regularmente o direito do povo palestiniano à auto-determinação. No dia 13 de Novembro de 1974, Yasser Arafat fez um discurso na Assembleia Geral da ONU. Esta reconheceu aos palestinianos o direito à independência e concedeu à OLP o estatuto de observador. A ideia da criação do Estado da Palestina só em parte do território nacional, já abordada em Junho de 1974, foi aceite no 13º Conselho Nacional Palestiniano, de 12-20 de Março de 1977.


No dia 17 de Setembro de 1978, foram assinados os acordos de Camp David entre o Egipto, Israel e os EUA. Israel devolveu o Sinai ao Egipto. Paralelamente à retirada do Sinai, que terminou a 25 de Abril de 1982, Israel intensificou a colonização da Cisjordânia e do Golã. Em conformidade com os acordos de Camp David, o Egipto e Israel começaram, a 25 de Maio de 1979, negociações sobre um estatuto de autonomia para os palestinianos da Cisjordânia e de Gaza, não escondendo Israel a intenção de anexar esses territórios no termo dos cinco anos previstos para a autonomia.


No dia 6 de Junho de 1982, Israel invadiu o Líbano com a intenção declarada de expulsar de lá a OLP. Nos termos de um cessar-fogo negociado sob a égide dos EUA, as forças da OLP foram evacuadas do Líbano entre 10 e 13 de Setembro desse ano, mudando-se a sua chefia para Tunes. Foi então que se deram os massacres de Sabra e de Chatila. Nos dias 15-16, o exército de Israel ocupou a parte ocidental de Beirute. No dia 16, as Forças Libanesas (milícias cristãs aliadas de Israel) entraram nos campos de refugiados palestinianos de Sabra e de Chatila e mataram homens, mulheres e crianças. Os soldados israelenses que cercavam os campos assistiram aos massacres sem intervir. Segundo a comissão de inquérito oficial israelense houve 800 mortos; segundo a OLP, terá havido 1500. A dita comissão israelense concluiu que Ariel Charon, então Ministro da Defesa, foi indirectamente responsável pelo sucedido.


No dia 9 de Dezembro de 1987 rebentou a primeira Intifada (insurreição) em Gaza e na Cisjordânia contra a ocupação.


No dia 31 de Julho de 1988, o rei Hussein da Jordânia anunciou oficialmente que rompia «os vínculos legais e administrativos» do seu país com a Cisjordânia, renunciando à pretensão de soberania sobre esse território que havia sido anexado pelo seu avô em 1950.


No 19º Conselho Nacional Palestiniano, reunido em Argel, a OLP proclama o Estado de Palestina no dia 15 de Novembro de 1988, aceita as resoluções do Conselho de Segurança da ONU 181, 242 e 338 e reafirma a condenação do terrorismo.


Na sequência da chamada «Guerra do Golfo», houve a Conferência Internacional de Madrid (inaugurada no dia 30 de Outubro de 1991) e as primeiras negociações bilaterais entre Israel e três dos seus vizinhos árabes (Jordânia, Síria e Líbano). Os palestinianos ainda não tiveram a sua delegação própria. Fizeram parte da delegação jordana.


Negociações secretas entre israelenses e palestinianos tidas em Oslo, no Inverno de 1992-1993, levaram finalmente ao reconhecimento entre Israel e a OLP a 9 de Setembro de 1993. A 13 do mesmo mês Yasser Arafat e Isaac Rabin assinaram em Washington a «Declaração de Princípios sobre as Disposições Interinas de “Auto-Governo”». A dita declaração determinava a entrega de parte da Cisjordânia e da Faixa de Gaza aos palestinianos, entrega essa concebida como a primeira etapa de um processo que deveria desembocar, no prazo de cinco anos, na solução do conflito que opõe os palestinianos e os sionistas/israelenses desde há quase um século. De facto, Y. Arafat entrou em Gaza no dia 1 de Julho de 1994 e o exército de Israel terminou a retirada das cidades palestinianas, excepto de Hebron, em Dezembro de 1995. Os palestinianos viram nesse facto o começo da realização do sonho de um estado palestiniano independente, embora só em cerca de um quinto da sua pátria e dividido em duas partes (Cisjordânia e Faixa de Gaza), separadas pelo território de Israel. Incluindo Jerusalém Oriental, a Cisjordânia tem uns 5.850 km2. A Faixa de Gaza tem uns 365 km2.



Desde 1995


No dia 23 de Outubro de 1998, Israel e a Autoridade Palestiniana assinaram o memorando de Wye River que previa a entrega à Autoridade Palestiniana de mais 13 % do território da Cisjordânia no prazo de três meses, mas passados menos de dois meses, a 18 de Dezembro, Israel suspendeu a sua aplicação.


No dia 4 de Maio de 1999 terminou o período da autonomia palestiniana previsto na «Declaração de Princípios». Sob a instigação do Presidente dos EUA William Clinton, Y. Arafat e Ehud Barak assinaram, no dia 4 de Setembro do mesmo ano, o memorando de Charm ech-Cheikh, que redefinia o calendário para a aplicação do memorando de Wye River e, além disso, estipulava a abertura de dois corredores seguros entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, a libertação de mais um grupo de prisioneiros palestinianos e o começo das negociações sobre todas as questões ainda em suspenso. Tudo isso ficou letra morta. W. Clinton convocou de novo Y. Arafat e E. Barak com os quais se reuniu em Camp David de 11 a 24 de Julho. As negociações avançaram, mas não se chegou a um acordo. Seguiram-se ainda outras tentativas de negociações instigadas igualmente por W. Clinton, prestes a terminar o seu mandato. A última dessas tentativas teve lugar em Taba (Egipto) de 21-27 de Janeiro de 2001, dias antes de os israelenses escolherem A. Charon para seu primeiro-ministro em vez de E. Barak.


Resumindo, os acordos de Oslo não criaram a dinâmica de paz que deles se esperava. Praticamente não se foi além da aplicação do que se previa que fosse só a sua primeira fase. É verdade que Israel se retirou das oito zonas urbanas da Cisjordânia e de cerca de 80 % da Faixa de Gaza, deixando assim a maioria esmagadora dos palestinianos sob a jurisdição exclusiva da Autoridade Palestiniana[10]. Repare-se, no entanto, que as oito zonas urbanas da Cisjordânia são ilhas num mar israelense[11]. Não havendo contiguidade territorial entre elas, estão isoladas umas das outras. Em condições «normais», essa situação entrava seriamente a circulação de pessoas e bens e, por conseguinte, todas as actividades, nomeadamente a actividade económica, dos palestinianos. Em situações de «crise», ela permite ao exército israelense reocupar em poucos minutos, e com poucos meios (uns quantos tanques e buldózeres), as cidades palestinianas ou sitiá-las, encarcerando nelas os seus habitantes. Pelo contrário, os colonos israelenses continuaram a evoluir à vontade num espaço aberto, dispondo para isso de uma moderna rede rodoviária própria, que não só lhes permite circular na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas também os liga ao território de Israel. Longe de parar, como deveria ter acontecido em conformidade com o espírito do «processo de Oslo», a colonização, sobretudo da Cisjordânia, intensificou-se. Cresceram os colonatos já existentes e criaram-se outros novos. Para esse efeito, confiscaram-se mais terras. Isto e o não-cumprimento por parte de Israel de outros acordos levaram os palestinianos a perder a confiança no «processo de Oslo». A frustração, à altura da imensa esperança que o dito processo havia suscitado, levou os palestinianos à beira da explosão. A visita de A. Charon, então chefe da oposição israelense, à Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, no dia 28 de Setembro de 2000, serviu de rastilho. O horror do que desde então se passa na Palestina tem ecoado ruidosamente em todo o mundo dia após dia, graças aos meios de comunicação social.



ALGUMAS CONCLUSÕES E REFLEXÕES


Para terminar, algumas conclusões e reflexões. Começaremos por um apanhado dos pontos de divergência fundamentais que existem actualmente entre a Autoridade Palestiniana e Israel.


1 – A questão dos refugiados. Israel recusa-se a aplicar a Resolução 194. Aprovada pela Assembleia Geral da ONU a 11 de Dezembro de 1948 e reafirmada todos os anos, essa resolução reconhece aos refugiados o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indemnizados, se assim o preferirem. Israel nega-se até a reconhecer a sua responsabilidade moral e legal pela existência dos refugiados. Durante décadas «legitimou» essa recusa dizendo que os palestinianos abandonaram as suas casas por ordem dos países/exércitos árabes, que lhes teriam prometido o regresso dentro de pouco tempo. Ora, os estudos dos chamados «novos historiadores» israelenses da última década confirmaram o que os historiadores palestinianos sempre disseram e os bons conhecedores da questão sabiam há muito, para não falar das vítimas: Essa versão da origem do problema dos refugiados palestinianos é uma invenção da propaganda israelense. Por isso, Israel funda agora abertamente a recusa do regresso dos refugiados no que é, e sempre foi, a verdadeira razão: O regresso dos refugiados mudaria a composição étnica de Israel, que se «arriscaria» a deixar de ser um estado maioritariamente judaico. Ora, foi precisamente para evitar esse «perigo» que Israel expulsou muitos dos refugiados de suas casas.


Os refugiados palestinianos são, de facto, muito numerosos. A 30 de Junho de 1999, a UNRWA recenseava 3.600.000. Não entram nesse número os que se tornaram refugiados em 1967 (mais de 50.000) e os seus descendentes. Sabe-se que existem mais umas centenas de milhar de palestinianos que foram deslocados e não constam nas listas da UNRWA.


2 – Jerusalém Oriental. A parte oriental de Jerusalém foi conquistada em 1967. O plano da internacionalização de Jerusalém (na sua totalidade, indo até Belém) tendo sido aparentemente abandonado, a parte oriental da cidade é um dos territórios ocupados em 1967, que a Resolução 242 do Conselho de Segurança ordena devolver. O facto de Israel a ter anexado e de lhe ter alargado as fronteiras não muda de forma alguma o seu estatuto do ponto de vista da legalidade internacional. Essas medidas foram aliás declaradas nulas repetidas vezes pelas instâncias da ONU. No que se pode considerar um gesto de boa vontade, a Autoridade Palestiniana aceita ceder a Israel a soberania sobre partes de Jerusalém Oriental, nomeadamente o chamado «Muro das Lamentações», o único vestígio das construções ligadas ao templo judaico que se conhece[12]. Por ser o lugar do antigo templo judaico, do qual nada é visível, Israel opõe-se à soberania palestiniana sobre a Esplanada das Mesquitas, a qual com o santuário do Domo do Rochedo e a Mesquita de El-Aqsa, bem visíveis, é o terceiro lugar santo do islão.


3 – Colonatos. No decurso dos 35 anos de ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, Israel criou mais de duas centenas de colonatos sobretudo na Cisjordânia. Para esse efeito, apoderou-se de todos os recursos hídricos e da maioria das terras da Cisjordânia: umas declarou-as baldias e as outras, nomeadamente as que pertenciam aos refugiados ou a outras pessoas ausentes em 1967, confiscou-as. Calcula-se que há hoje 200.000 israelenses a viver na Cisjordânia e outros tantos em Jerusalém Oriental, ao lado de cerca de 2.000.000 de palestinianos. Na Faixa de Gaza há 6.900 israelenses, que dispõem de cerca de 20 % do território, ao lado de cerca de 1.200.000 palestinianos, dos quais cerca de 70% são refugiados. 33 % dos palestinianos da Faixa de Gaza vivem nos campos de refugiados administrados pela UNRWA. Sobrepovoadíssima, a Faixa de Gaza é um dos territórios do mundo com maior densidade demográfica.


A instalação de cidadãos civis do estado ocupante num território ocupado é explicitamente proibida pela IV Convenção de Genebra relativa à Protecção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra que Israel assinou. Por isso, a colonização israelense de Jerusalém Oriental e dos demais territórios ocupados foi muitas vezes declarada ilegal pelas instâncias da ONU (Conselho de Segurança e Assembleia Geral). Nas mesmas ocasiões as ditas instâncias internacionais exortaram Israel a anular todas as medidas tomadas no sentido da colonização dos territórios ocupados.


Para terminar, assinalamos algumas imagens correntes do conflito israelo-palestiniano que deformam completamente a realidade.


1 - Embora haja uma imensa admiração pelas proezas de Israel, nomeadamente pelas suas façanhas militares, tende-se não raro a pensar que as partes envolvidas no conflito israelo-palestiniano têm forças mais ou menos iguais. Ora, isso é inteiramente falso. Israel é uma grande potência militar não só a nível regional, mas também a nível mundial. Tem um dos exércitos mais poderosos do mundo. Tem também um poder económico apreciável. Além disso, seja qual for o seu governo ou a política seguida, tem disposto e continua a dispôr, incondicionalmente, do apoio económico, diplomático e político dos EUA, seja qual for o partido da sua administração. Ora, como se sabe, os EUA são actualmente a única superpotência e agem como donos incontestados do mundo. Pelo contrário, os palestinianos são na sua maioria um povo de refugiados sem nada que se compare, nem de muito longe, com os trunfos de Israel. Aliás, a incipiente infra-estrutura económica palestiniana foi em grande parte destruída por Israel nos últimos meses. Dada a imensa desigualdade das forças, é quase impossível que haja autênticas negociações entre as duas partes. De facto, Israel tem agido e continua a agir como quem quer, pode e manda, com a certeza de que os palestinianos terão de acabar mais uma vez por vergar a espinha e aceitar as suas condições, apanhar as migalhas que eles se dignam atirar-lhes. Longe de reconhecer a imensa injustiça que cometeu e continua a cometer para com os palestinianos, Israel tem agido e age para com eles com uma prepotência e uma arrogância imensas, particularmente chocantes porque vindas de pessoas que sabem, ou deviam saber, melhor do que ninguém o que é ser vítima da injustiça. Esse comportamento tem provocado e provoca cada vez mais uma humilhação indizível nos palestinianos. Do ponto de vista humano, é porventura isso o que mais profundamente os fere.


A desproporção abissal entre as forças em presença explica a diferença na natureza das armas usadas e nas formas de combate adoptadas por cada uma das partes, deitando cada uma mãos dos meios de que dispõe. À desproporção nas forças em presença corresponde naturalmente a desproporção na grandeza da violência e do terror semeados por cada uma das partes, no número de vidas destruídas e na importância dos danos materiais causados.


2 - Não é raro que os meios de comunicação social apresentem os palestinianos como os iniciadores do conflito que os opõe a Israel, isto é, os agressores. Ora, isso é pôr a realidade do avesso. Na melhor das hipóteses, os meios de comunicação social apresentam as duas partes como se estivessem num pé de igualdade do ponto de vista jurídico e moral. Ora, isso é falso. Dêm-se-lhe as voltas que se quiser, o facto insofismável é que Israel é o ocupante e os palestinianos são os ocupados. Israel é o opressor e os palestinianos são os oprimidos. Os palestinianos lutam para se libertar da ocupação e da opressão. Israel luta para perpetuar a ocupação e a opressão. Os palestinianos, autóctones da Palestina, não invadiram a terra de niguém, não colonizaram ninguém. Foram, sim, as vítimas de um processo de colonização clássico, do qual, em última análise, as potências europeias vencedoras da Primeira Grande Guerra – a Grã-Bretanha em primeiro lugar –, assim como os EUA são em grande parte os responsáveis. Como costuma repetir o Patriarca Latino de Jerusalém Monsenhor Michel Sabbah, a ocupação israelense é, no caso presente, a violência fundamental. É ela que engendra as outras violências de que tanto se tem falado nestes últimos tempos. Ao reconhecerem o Estado de Israel aquando dos acordos de Oslo, os palestinianos renunciaram aos cerca de 78 % da sua pátria de que o dito Estado os despojou em 1948-1949. A única coisa que reclamam é a devolução dos cerca de 22 % da Palestina que Israel conquistou em 1967 para neles criarem o seu estado, ao lado do Estado de Israel. Assiste-os em toda a linha a legalidade internacional, cuja aplicação não fazem senão exigir. Não deve esquecer-se que a dita legalidade internacional, na realidade, consagrou em boa parte factos consumados impostos pela força, que sempre beneficiaram os israelenses e lesaram os palestinianos. A criação de um estado árabe ao lado de um estado judaico na Palestina foi recomendada pela resolução 181 da Assembleia Geral da ONU de 29 de Novembro de 1947. Repare-se que a ONU atribuia ao estado árabe 43 % do território, não os 22 % que os palestinianos hoje reclamam. A justiça mais elementar exige que os refugiados palestinianos possam regressar a suas casas, se assim o desejarem, ou sejam indemnizados pelo que perderam. Foi isso mesmo o que ordenou a Resolução 194 do Conselho de Segurança da ONU de 1948, Resolução essa que tem sido reafirmada pelas instâncias da mesma organização internacional dezenas de vezes. A retirada de Israel da Cisjordânia/Jerusalém Oriental e da Faixa de Gaza foi ordenada pela resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU de 1967.


Teoricamente, essas decisões da ONU deveriam ser executadas pura e simplesmente, sem regateios. As negociações, caso as houvesse, normalmente deveriam ter só por objecto as questões práticas relativas à execução das ditas decisões. Claro que quando há boa vontade, em particular, no mundo mediterrânico, são sempre possíveis acomodamentos e arranjos.


Entre os inumeráveis conflitos que ensanguentaram e ensanguentam o mundo no último século, o que opõe israelenses e palestinianos é um dos mais duradouros e, sem dúvida, o que mais eco encontra no mundo, pelo menos no mundo que é herdeiro da tradição bíblica por intermédio do cristianismo, do islão e do judaísmo. Os simples cidadãos que somos, com maior razão se não somos nem israelenses nem palestinianos, sentimo-nos completamente impotentes perante ele. Há uma coisa que podemos fazer, porventura a única. É oferecer a nossa simpatia e a nossa solidariedade não aos que querem eternizar a injustiça, mas àqueles, israelenses e palestinianos, que procuram pôr-lhe fim, pelo menos na medida em que isso ainda é possível.

LISBOA - 2002 - PORTUGAL



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[1] Usamos palestinense em relação com a Palestina antiga, palestiniano em relação com a Palestina moderna.


[2] Adopção da língua árabe, da forma árabe dos nomes pessoais e da era da Hégira.


[3] Nasceu em Budapeste, mas passou a maior parte da vida em Viena.


[4] Askenaze qualificou primeiro o judaísmo da Alemanha com as suas tradições próprias, estendendo-se depois ao judaísmo de toda a Europa central e oriental. O termo designa de maneira genérica os judeus da Europa central e oriental ou de lá originários.


[5] Sefardita no sentido próprio qualifica os judeus da península ibérica e os seus descendentes. Depois da sua expulsão, os judeus ibéricos dispersaram-se sobretudo nos países mediterrânicos, mas também nos Países Baixos, na Grã-Bretanha e, finalmente, nas Américas. Na linguagem corrente, a palavra sefardita aplica-se frequentemente, de maneira inadequada, a todos os judeus não askenazes. Como a sua grande maioria vivia nos países mediterrânicos e nos países árabo-muçulmanos do Próximo e Médio Oriente (Iraque, Iémen, Irão, etc.), os judeus não-askenazes também são muitas vezes chamados «judeus orientais».


[6] Distinguindo entre o antigo Reino de Israel e o Estado de Israel moderno, usamos, como fazem as outras línguas ocidentais, dois nomes de nacionalidade diferentes, respectivamente israelita e israelense.


[7] O que mais se pareceu com uma consulta dos palestinianos foi a chamada Comissão King-Crane. Os norte-americanos Henry C. King e Charles R. Crane efectuaram de facto uma missão na Palestina e consultaram os seus habitantes em Junho-Julho de 1919. No seu relatório, King e Crane recomendaram profundas modificações no projecto sionista, mas a Grã-Bretanha e a França, que haviam boicotado a missão, não fizeram caso dessas recomendações.


[8] Menahem Beguin e Isaac Chamir, que serão mais tarde primeiros-ministros de Israel, estiveram ligados a estes grupos. O primeiro dirigiu o Irgun a partir de Dezembro de 1943. O segundo foi um dos chefes do Stern.


[9] Há uma divergência subtil entre os textos inglês e francês da resolução, ambos oficiais. O primeiro fala “dos territórios” (“des territoires”) e o segundo “de territórios” (“from territories”). Israel só tem em conta a versão inglesa que lhe permitiria eventualmente guardar parte dos territórios conquistados en 1967. Afirmando a inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra sem qualquer restrição, o segundo considerando da resolução parece excluir tal interpretação.


[10] Esses territórios, sobretudo o da Cisjordânia, foram divididos, de forma complicadíssima, em três zonas: A (com administração palestiniana exclusiva), B (com administração civil palestiniana e ocupação militar israelense) e C (administração israelense exclusiva).


[11] Na Cisjordânia, a zona A representa 17.2% do território, a zona B 23.8% e a zona C 59%. Os mapas da Cisjordânia onde figuram estas divisões são com frequência comparados à pele de um leopardo.


[12] A ironia do destino quer que essas construções tenham sido obra do idumeu Herodes Magno.

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